O terceiro anonimato, de Ferreira Lima, publicado em 2022, apresenta vinte e três poemas de inegável apuro técnico e expressivo. Como é evocado no título, essa obra faz parte de uma trilogia iniciada com o livro Poemas para assobiar de longe (2019) e seguida do livro Apontamentos sobre o cultivo da poesia (2021).
Os três
primeiros poemas apresentados (os mais curtos do livro) são: O anonimato,
Escrever e Andarilho. No primeiro, como constatamos pelo título,
temos o tema por excelência da obra. No segundo, temos um tom metalinguístico
que será constante ao longo do livro. No terceiro, temos um poema direcionado para
a subjetividade de uma voz lírica que reflete sobre a busca de si mesmo.
O anonimato,
a escrita e as reflexões sobre a subjetividade de vozes líricas em contextos existenciais
diversos perpassam o eixo poemático desse livro. Exemplar dessa perspectiva são
os poemas: Anônimo, analógico e anacrônico, Simétrico (o melhor poema do
livro seja do ponto de vista do conteúdo, seja do ponto de vista da forma), Trajeto, Pássaro, Derradeiras de quem vai partir, Um certo voo, O(s) poeta(s),
Andarilho ou Adeus, anonimato! e O terceiro anonimato.
Instigante,
sobretudo, é o poema Sísifo, um dos melhores do livro. Ferreira Lima
retoma nele o mito grego do rei que ousa interferir nas ações dos deuses e
acaba sendo punido, no Tártaro, com uma pedra que tenta conduzir até o cimo de uma
montanha sem conseguir fazê-lo eternamente. O anonimato surge no poema metaforizado na imagem dessa pedra
que se torna, também, a punição da voz lírica. Escrever é uma expurgação necessária
a quem é poeta, mas pode ser torturante produzir quando se pode ser silenciado pelo anonimato.
Em Ulisses,
poema que retoma o herói grego de uma das obras fundantes da Literatura
Ocidental, temos uma reflexão sobre a escrita, uma perscrutação da
subjetividade da voz lírica e explanações sobre a temática amorosa. O amor, a
propósito, é retomado em vários poemas: Mil desculpas, Metas, Dotes para uma
amada em segredo, Confissões de uma carta anunciada, Encontro, Cotidiano, Não
quero tudo e Pra sempre.
Percebemos,
após a leitura desse livro, que além do anonimato e do amor, reflexões sobre a escrita poética (com um tom metalinguístico evidente) também se caracterizam como recorrentes na obra do autor. Enquanto reflete sobre a escrita do poema, há predisposição do escritor a um atento trabalho com
a linguagem. Não há rebuscamento linguístico, tampouco excessos imagéticos
construídos a partir de metaforizações simplistas, em seus poemas. Quando recorre a figuras de
linguagem (hipérbole, metáfora, símile, antítese, anacoluto, anáfora,
aliteração etc.), ele está comprometido com a construção de imagens criativas e de perceptível
lirismo.
No epílogo da obra, Nirton Venâncio comenta (apud LIMA, 2022, p. 110): “E onde estava Valdi Ferreira Lima que eu não via, que não víamos, que não líamos?” Reforço a pergunta, pois ao ler essa obra tive a sensação de estar diante de um dos grandes poetas do Ceará e, até pouco tempo, eu o desconhecia. É urgente, portanto, conhecê-lo. Há muito a descobrir na poesia que ele nos apresenta sem preciosismos e sem imbricadas soluções vocabulares.
Ressalvo que O
terceiro anonimato encerra uma trilogia de poesias de Ferreira Lima, este poeta
que descobri recentemente e é, sem dúvidas, um notável escritor. A poesia dele merece
atenção, de modo que jamais poderá ser obscurecida pelo anonimato. O talento do autor e a beleza de sua obra precisam chegar ao mundo. Precisamos de poesia para ampliar nossas existências cotidianas. Leiamos, urgentemente, a poesia de Ferreira Lima.
Valdi Ferreira
Lima nasceu em Serra da Donana, município de Jucás–CE, mas mora há anos em
Sobral–CE. Vencedor de diversos prêmios, ele publicou: O guardador de raízes
(2018), Poemas para assobiar de longe (2019) e Apontamentos sobre o
cultivo da poesia (2021).
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