quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

EXERCÍCIO DE INTERPRETAÇÃO TEXTUAL: SONETO "FRIEZA", DE FLORBELA ESPANCA

Florbela Espanca

Florbela aniversariou no último dia 08 de dezembro. Então, ainda como forma de homenageá-la por ocasião do seu aniversário, abaixo apresento um dos seus mais lindos sonetos. Este soneto foi musicado pelo cantor e compositor Fagner e a cantora Amelinha, com sua voz majestosa, a interpretou.  
Em seguida, apresentarei uma dica para quem pretende realizar, em sala de aula, uma análise não muito ampla deste soneto que, do meu ponto de vista, pode ser tranquilamente utilizado numa aula de interpretação textual, de turmas de Ensino Médio.  
Portanto, com a preocupação - enfatize-se - de ser objetivo ao analisar textos literários, eu costumo pedir que os alunos atentem para tópicos em que estes poderão apontar alguns elementos que constam no texto em análise. A intenção não é restringir o texto literário criando uma "fórmula" para a analisá-lo - o que seria patético e restritivo -, a intenção, em verdade, é motivar o aluno a desenvolver, a partir de leituras inicialmente simplórias, leituras mais amplas à medida que a familiaridade se estabeleça com relação ao texto e suas estruturas. Desenvolvo, portanto, o seguinte método de análise: 
                                       

Frieza

Os teus olhos são frios como as espadas,
E claros como os trágicos punhais;
Têm brilhos cortantes de metais
E fulgores de lâminas geladas

Vejo neles imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais,
Fantásticos desejos irreais,
E todo ouro e o sol das madrugadas!

Mas não te invejo, amor, essa indiferença,
Que viver neste mundo sem amar
É pior que ser cego de nascença!

E tu invejas a dor que vive em mim!
E quanta vez dirás a soluçar:
“Ah! Quem me dera, Irmã, amar assim!...”

(Florbela Espanca)

1 - Autor: Nascida em 08 de dezembro de 1894, Florbela de Alma da Conceição Espanca foi um dos principais nomes do Modernismo em Portugal. Embora não tenha participado da Revista Orpheu, marco maior da Literatura Modernista neste país, Florbela Espanca se enquadra como um nome importante surgido no início das visões modernas que perpassavam a Literatura Portuguesa do início do século XX. Tendo uma vida agitada, do ponto de vista dos conflitos amorosos que viveu, deparou-se desde cedo com inúmeros percalços existenciais que foram transpostos para sua produção literária. Dentre as características de sua obra, podemos apontar: o intenso lirismo, o desespero mediante amores não consolidados, a busca por um amor que torna o eu lírico um ser em conflito com a realidade prática, imagens metafóricas de excessiva beleza, construções clássicas – é uma sonetista vigorosa – e erotismo e sensualidade em inúmeros textos, além de uma sensação dolorosa da existência que causa várias especulações acerca da própria condição do ser.
  
2 - Relação entre Título & Texto: O título Frieza traz componentes semânticos que muito nos auxiliariam para melhor compreendê-lo: remete-nos, literalmente, ao fato de que o ser humano, de acordo com sua condição térmica (já que é um animal que conserva sua temperatura independente do âmbito em que esteja inserido), sofre com a diminuição da temperatura, sente a sensação de frio em decorrência da ausência de calor; por outro lado, e este elemento nos parece mais importante para nossa análise, o vocábulo Frieza, fora do seu sentido comum, se remete à ideia de indiferença, descaso, irrelevância que um indivíduo, por algum motivo, procura atribuir a outrem. Desse modo, o título está direta e indiretamente vinculado à estrutura do texto, pois este apresenta um eu lírico que acusa o seu interlocutor de ser indiferente, de agir com frieza, com descaso, desprezo sem considerar sua demonstração de amor. O eu lírico parece olhar para o ser a quem devota seus sentimentos e afirma: “Seus olhos são frios como as espadas”. Em seguida, como para não se sentir subjugado de todo, ele atira sobre o ser amado uma tentativa de altivez, desprezo e suposta arrogância que, em verdade, reforça sua sensação de submissão amorosa: “Mas não te invejo, Amor, essa indiferença / Que viver neste mundo sem amar / É pior que ser cego de nascença”.

3 - Gênero Textual: O texto apresentado faz parte do gênero lírico, é exemplo de um soneto, texto poético formado por dois quartetos e dois tercetos. Neste caso, os versos são formados por dez sílabas poéticas (decassílabos).

4 - Estrutura superficial do texto: É possível perceber o tipo de rima que o texto apresenta: rimas interpoladas nas duas primeiras estrofes /ABBA/. Nas duas estrofes introdutórias, percebe-se a recorrência da consoante /s/ que sugere a fluidez de facas afiadas sibilando enquanto cortam o ar e, ao mesmo tempo, cortando a alma de um eu lírico indignado por sentir-se preterido. Percebe-se, ainda, a recorrência de sons nasais sugestivos do tom melancólico constante no poema. Outro ponto que não pode passar despercebido é o uso exaustivo de adjetivos no texto, com isso o poema adquire cunho descritivo apresentado por um ângulo de visão atribuidor de valores e que explora a expressividade das sensações que experimenta. Há, ainda, inúmeras conjunções aditivas que podem sugerir a necessidade de afirmar com veemência o discurso apresentado adicionando um argumento ao outro na urgência de expressar o que sente – como se dissesse, num fôlego só, o que tem para dizer, de modo irascível.   

5 - Temática abordada: O poema Frieza apresenta o resultado de uma declaração de amor proferida por um eu lírico inconformado.
Este eu lírico feminino – trata-se de um eu lírico feminino porque o texto nos dá pistas para que façamos esta afirmação – declara seu amor por um homem e, como resposta para a exposição de seus sentimentos, depara-se com a indiferença do ser amado que parece não saber – ou querer – amar este eu lírico com a mesma intensidade com que ele o ama.
O eu lírico passa a estabelecer comparações entre o modo de olhar do interlocutor e a frieza e violência de metais cortantes. Após externar seu rancor, o eu lírico passa a expressar um mecanismo de fuga caracterizado como projeção, ou seja, ele atribui ao interlocutor as sensações que ele mesmo vivencia, numa empatia às avessas.
Ao ser preterido, o eu lírico tenta manter-se em sua altivez e afirma que “viver neste mundo sem amar / é pior que ser cego de nascença”. Logo em seguida, ainda projetando no ser amado aquilo que ele vivencia, o eu lírico afirma, numa tentativa de sentir-se superior quando, em verdade, sentia-se inferiorizado ante o preterimento, que seu amado “inveja a dor” que nele “vive”. Com o rancor típico dos que se sentem humilhados e inferiorizados, o eu lírico roga contra seu interlocutor uma espécie de praga: “Quanta vez dirás a soluçar / Ah! Quem me dera, Irmã, amar assim.”
O eu lírico passa por vários processos na expressão dos seus sentimentos: ele ama e confessa seu amor; sente-se enganado, preterido e, para não se sentir subjugado ante os sentimentos que experimenta, atribui falhas ao ser amado que, por ser acusado de não saber amar, assim como ele o faz, sequer mereceria qualquer demonstração de afeto.
Dentre as temáticas encontradas no texto, podemos destacar: o amor não correspondido, a frieza das relações afetivas, a dificuldade vivida por algumas pessoas que não conseguem estabelecer relacionamentos afetivos verdadeiros e sem conflitos, o orgulho ferido, a sensação de inferioridade que o preterimento pode causar num indivíduo.


Émerson Cardoso

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