Acontece que, embora o país em que eu nasci tenha
tanto a lamentar em termos de produções musicais nestes últimos tempos, houve,
há e haverá Luiz Gonzaga.
Quando
Luiz Gonzaga faleceu, em agosto de 1989, eu tinha entre cinco e seis anos e
passava, com minha mãe e minha irmã, uma temporada na casa de um tio materno
que se localizava no sopé da Chapada do Araripe – num sítio próximo ao Distrito
de Santa Fé localizado entre Crato – CE e Exu – PE. O corpo do rei do baião iria de avião para Juazeiro do Norte – CE (minha cidade natal) e seguiria
num cortejo para a cidade de Exu – PE, cidade em que este seria sepultado
(nesta cidade Luiz Gonzaga nascera em 13 de dezembro de 1912).
Recordo-me
que, embora sem energia elétrica, na casa do meu tio havia um rádio que, sob
efeito de pilhas, cantava e dava notícias – provavelmente foi assim que o povo
do sítio ficou sabendo que o cortejo fúnebre, que trasladava o corpo de Luiz
Gonzaga pela estrada que chamávamos de Guaribas,
tão perto deles passaria – a uns três quilômetros, ou mais. Uma comitiva
formou-se para presenciar o cortejo.
Uma das mais antigas lembranças que
guardo em mim, a respeito da figura grandiosa de Luiz Gonzaga, está vinculada a
esse meu tio, que vivia de cantarolar músicas de Luiz Gonzaga, ensinando à
minha irmã, que na época tinha de três a quatro anos, e uma terrível
dificuldade de falar, a canção “Xote Ecológico”. A lembrança em mim é tão
nítida que assusta. Na cena, vejo minha irmã, de curtos cabelos, cantarolando
com dificuldade a canção, e todo mundo rindo da forma engraçada com que ela
cantava, sob regência de meu tio.
Não
sei por que não fui ver o cortejo, mas lembro-me de que foi uma festa a ida
para ver o cantador que tanto fez pelo Nordeste brasileiro em seu passeio
último. Os que foram devem ter se emocionado muito ao ver a comitiva nefasta
cortar a serra com o féretro do nosso representante maior.
Luiz
Gonzaga também era muito cantarolado por minha bisavó materna. Esta, que era
artesã de palha de carnaúba, fazia trança de chapéu escutando rádio – a Rádio Progresso de Juazeiro, para ser
mais preciso. Quantas vezes, durante toda a minha infância, a ouvi cantar uma
ou outra toada que Luiz Gonzaga imortalizou. Esta minha bisavó, que era negra,
tinha o rosto que muito lembrava o rosto do próprio Mestre Lua...
Quando
morei, já adolescente, com minha avó paterna, escutávamos todo domingo o
programa Canta Gonzagão – ela, que
sempre fora vaidosa e faceira, cantava e dançava olhando-se no espelho da sala
de jantar. É difícil trazer certas cenas à tona sem morrer da pior morte!
Nunca
pude escutar a toada “A triste partida”, poema de Patativa do Assaré musicado
brilhantemente por Luiz Gonzaga, sem debulhar-me em comoções. Não sei
exatamente explicar, mas jamais li ou escutei esta obra sem fixar meus olhos
num tempo e num espaço que sequer vivi, mas que me dói como se lá eu estivesse.
Trabalhei
por três anos numa empresa em que todo mês eu precisava viajar para uma cidade
nordestina diferente – eu ministrava cursos em áreas vinculadas à comunicação e
relações humanas. Eu dormia desenganadamente, certa vez, vindo da cidade de
Bodocó – PE. De repente, acordei com a voz pungente de Luiz Gonzaga a gemer no
refrão de “A triste partida” – fiquei perplexo, porque acordei exatamente na
hora em que eu passava, já em Exu, pela casa (hoje museu) de Luiz Gonzaga.
Escutei a canção em frisson incomum. E não pude me conter ao escutar o trecho: “De pena e saudade / Papai sei que morro /
Meu pobre cachorro / Quem dá de comer? / Já outro pergunta / Mãezinha, e meu
gato / Com fome e sem trato / Mimi vai morrer / E a linda pequena / Tremendo de
medo / Mamãe meus brinquedos / Meu pé de fulô / Meu pé de roseira / Coitado ele
seca / E a minha boneca / Também lá ficou”...
Recentemente,
foi realizado um filme em comemoração ao centenário de nascimento de Luiz
Gonzaga – também foi apresentado em emissora aberta de televisão. Nem de longe
a produção conseguiu captar a essência desse nosso cantor maior, mas ao menos
serviu para que ênfase fosse dada ao aniversariante ilustre: Luiz Gonzaga
nascera há cem anos e nós não poderíamos esquecer-nos de tão valorativo
acontecimento.
Se
um dia o país em que vivo tiver que renegar seus grandes artistas, eu
lamentaria muito porque sei que muitos artistas vivos e mortos não mereceriam
tal condição, mas eu talvez, dependendo da circunstância, o perdoasse. Mas um
há que eu não admitiria ser, em hipótese alguma, renegado: Luiz Gonzaga. Dele
esta nação não pode abrir mão jamais!
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