"A remoção de Psiquê", de Bouguereau |
"Psique é o nome em grego designa “alma”. Assim se chamava também a
heroína do conto que nos foi transmitido por Apuleio, nas suas Metamorfoses.
Psique, filha de um rei, tinha duas irmãs. Todas três eram de uma grande
beleza, mas ela possuía uma graciosidade capaz de suplantar a de qualquer
mortal. Havia mesmo quem viesse de longe só para a admirar. Mas enquanto as
suas irmãs depressa arranjaram marido, a bela Psique continuava solteira:
ninguém queria desposá-la, tal era o receio que a sua beleza inspirava aos
candidatos. Prestes a perder a esperança de a ver um dia casada, o pai
interrogou o oráculo, que respondeu que ele deveria preparar a filha como se
fosse celebrar uma cerimónia nupcial, abandonando-a em seguida, num rochedo,
onde um monstro horrível viria busca-la. Os pais ficaram desesperados. Vestiram
contudo à filha os trajes nupciais e conduziram-na com um cortejo fúnebre até o
cimo da montanha indicada pelo oráculo. Aí a deixaram sozinha, regressando ao
palácio. Psique lamentava seu destino, quando de repente começou a sentir que
um vento a içava e a fazia voar pelos ares. A rajada que a impeliu susteve-a
docemente e depô-la no fundo de um vale, sobre uma relva macia e verdejante.
Exausta pelas emoções vividas, Psique adormeceu profundamente. Quando acordou,
viu à sua frente um magnífico palácio de outro e mármore. Quis entrar e
pareceu-lhe que todas as portas se abriam diante dela. Foi entrando nos
diversos aposentos e ouvia vozes que a guiavam e se lhe apresentavam como
escravas que ali estavam para a servir. O dia passou-se assim, de espanto em
espanto, de maravilha em maravilha. Ao anoitecer, a jovem sentiu junto de si a
presença de alguém: era o marido de que falara o oráculo, que ela não podia
ver, mas que não lhe parecia contudo tão temível e monstruoso quanto receara.
Ele não lhe disse quem era e preveniu-a de que jamais o poderia ver, sob pena
de o perder para sempre, se alguma vez o tentasse observar. Assim viveu a jovem
durante algumas semanas: de dia, estava sozinha no palácio, ouvindo apenas as
vozes que o enchiam; de noite, tinha a companhia do esposo. Sentia-se feliz.
Mas um dia vieram as saudades da família e a ânsia de voltar a ver o pai e a
mãe, que certamente a julgariam morta. Pediu então ao marido que a deixasse
voltar algum tempo para junto deles. Depois de muitas súplicas, conseguiu
convencê-lo, embora ele lhe tivesse mostrado as consequências nefastas que
poderiam advir da sua ausência. O vento transportou-a de novo até ao cimo do
rochedo onde havia sido exposta e não lhe foi difícil regressar ao palácio do
seu pai. Fez-se uma grande festa em sua honra e as irmãs vieram de longe para a
ver. Quando elas souberam que Psique era feliz, quando viram a riqueza dos
presentes que ela lhes tinha trazido, sentiram uma grande inveja. Conseguiram
semear a dúvida no espírito da irmã e fazê-la confessar que jamais houvera
visto o esposo. Convenceram-na finalmente a esconder uma lucerna no quarto, a
fim de com ela iluminar o rosto do marido misterioso quando ele estivesse a
dormir – ficaria assim a conhecer aquele que a amava.
Psique voltou para o seu palácio e seguiu o conselho das irmãs. Descobriu
então, adormecido no seu leito, um belo adolescente. Enternecida, comovida com
a surpresa, deixou inadvertidamente cair sobre ele uma gota de azeite a ferver,
de tal modo a mão lhe tremia ao erguer sobre seu rosto a lucerna. Sentindo a
queimadura provocada pelo azeite, o Amor (pois era ele o Monstro cruel de que
falara o oráculo) acordou e, cumprindo as ameaças que fizera a Psique, fugiu
para não mais voltar.
Abandonada pelo Amor, a pobre Psique começou a errar pelo mundo,
perseguida pela cólera de Afrodite, indignada pela sua beleza. Todas as
divindades se recusavam a acolhê-la. A jovem fugiu até que finalmente a deusa a
alcançou: levou-a então como prisioneira para o seu palácio, atormentando-a de
mil maneiras, impôs-lhes múltiplas tarefas – escolher cereal, tosquiar carneiros
selvagens e até descer aos Infernos. Aí deveria, por ordem de Afrodite, pedir a
Perséfone um frasco cheio de água da fonte da juventude, mas não deveria
abri-lo. Infelizmente, no caminho de regresso, Psique abriu o frasco e
adormeceu de um sono profundo.
Entretanto, o Amor estava desesperado; não conseguia esquecer Psique.
Quando a viu adormecida por acção do sono mágico, despertou-a com a ponta de
uma das suas flechas e, regressando ao Olimpo, pediu a Zeus permissão para
desposar aquela mortal. O deus consentiu de bom grado e a jovem reconciliou-se
com Afrodite.
Os frescos de Pompeios popularizaram a figura de Psique como uma frágil
donzela alada, semelhante a uma borboleta (a alma é muitas vezes concebida
pelas crenças populares como uma borboleta que se afasta do corpo após a
morte), brincando com Amores alados como ela".
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