Rafael Fishmann (2016)[1]
afirma, sobre o filme Steve Jobs, dirigido
por Danny Boyle, que este, pelo diferencial de seu enredo, não é apenas “mais
um filme sobre Steve Jobs”. Ele diz isto, certamente, porque quem o assistir se
deparará com novas nuanças que diferem dos demais filmes que também discorrem
sobre a personalidade evocada no título.
Boyle o apresenta em três momentos de sua vida e enfatiza,
além das decisões que ele toma do ponto de vista profissional, sua dificuldade em
demonstrar afeto pelas pessoas com as quais mantém laços de maior proximidade:
como ocorre em sua relação com a filha – que ele inicialmente nega ser sua – e
com as pessoas com quem precisa lidar ao longo de sua instável vida
profissional.
Devo dizer que o que torna esse
filme cinebiográfico um clássico imediato se deve, sobretudo, a dois aspectos:
1) o roteiro (adaptado da premiada biografia Steve Jobs (2011), realizada por Walter Isaacson, ele é constituído
de diálogos precisos, bem articulados e dotados de um ritmo intenso) e 2) o
elenco, que dá o melhor de si em grandes atuações (Michael Fassbender, Kate
Winslet, Jeff Daniels e Michael Stuhlbarg estão impecáveis).
A respeito desse filme, A. O. Scott
(2015)[2]
diz que: “The accuracy of this portrait
is not my concern. Cinematic biographies of the famous are not documentaries”[3].
Concordo. Não me parece, de fato, o mais relevante encontrar nele o que
pode ter sido fiel à realidade, ou mesmo ao livro que o inspirou, mas o modo
como a história foi contada – o roteirista Aaron Sorkin e o diretor, do meu
ponto de vista, foram geniais.
Sobre a interpretação de Fassbender,
aclamada por diversos críticos, Steve Rose (2015)[4] diz
que: “Despite bearing little physical
resemblace [...], Fassbender inhabits the Jobs persona with compelling
conviction – long before he breaks out the black polo neck”[5].
A propósito, por sua atuação Fassbender recebeu indicações, dentre outros
prêmios, para o BAFTA, para o Globo de Ouro e para o Óscar de Melhor Ator. Sua
interpretação é realmente digna de prêmios! Ele consegue nos convencer como um
Jobs humano, falível, austero, dotado de conflitos internos, mas ao mesmo tempo
determinado, ousado e incisivo em suas posturas.
Outra atuação que teve indicação
para o BAFTA, para o Globo de Ouro e para o Óscar, desta feita de Melhor Atriz
Coadjuvante, nesse filme, foi a de Kate Winslet. Ela venceu o Globo de Ouro, o
BAFTA e é uma das favoritas para os demais prêmios para os quais foi indicada.
Considerada uma das melhores atrizes de sua geração, Winslet tem um histórico
de personagens marcantes e ela, em Steve
Jobs, acrescentou à sua carreira mais uma personagem delineada por um
caráter forte a que ela deu vida com seu já reconhecido talento. Trata-se de
Joanna Hoffman, que trabalhou com Jobs e, no filme, é apresentada como sua fiel
escudeira.
Em entrevista, ao ser indagada sobre
o que há de especial nesta personagem, Winslet[6]
afirma: “Foi um dos grandes papéis que criei. É um cenário de sonhos: diálogos
de Aaron Sorkin, interação com Michael Fassbender, dirigida por Danny Boyle. Eu
quase nem prestei atenção no tema central do filme, para ser honesta. Eu queria
era estar naquele set”.
A interação entre Winslet e
Fassbender rendeu cenas magistrais. Eles são atores experientes, intensos e
determinados a dar o melhor de si, por isto conseguem ser convincentes e
emocionam por conduzirem com propriedade suas personagens e, também, pelo ritmo
que empregam aos diálogos – o trabalho de construção vocal de Winslet merece
ser elogiado.
Winslet disse, ainda, quanto à
relação existente entre Jobs e Joanna, que nunca viu “uma dinâmica assim no
cinema americano, em que o protagonista precisava mais dela do que vice-versa”.
Ressalte-se, nesta perspectiva, uma das cenas mais emblemáticas do filme:
Joanna, indignada pela falta de atenção de Jobs, em relação à filha, expurga
seu desconforto atirando papéis pelo chão, ao mesmo tempo em que ameaça
abandoná-lo. Ela, que sempre permaneceu ao seu lado, mesmo quando, com sua
personalidade forte, o enfrentava, ameaça que se demitirá, após anos de uma
parceria marcada pela lealdade e pelo apoio irrestrito que ela lhe dispendeu em
seus empreendimentos. Isto faz com que ele, incentivado pela companheira de
trabalho, e amiga, olhe com mais sensibilidade para a filha.
Cumplicidade, lealdade e amizade, a partir dessa
relação, podem ser apontadas, pertinentemente, como subtemas desse filme.
Poucas vezes foi possível ver no cinema uma relação de amizade entre um homem e
uma mulher construída de modo tão intenso, sem que isto caísse em conotações
afetivo-sexuais entre eles.
Desse modo, é possível perceber que tais subtemas
somam-se ao tema principal, que é a perscrutação psicológica de Jobs ante seus
empreendimentos e conflitos internos, e amplia a dimensão humana do filme. Isto
suscita inúmeras reflexões que apontam para os aspectos polissêmicos dessa obra
cinematográfica que pode ser considerada, sim, uma das mais bem delineadas
cinebiografias realizadas pelo cinema norte-americano.
Fassbender e Winslet protagonizaram um encontro
triunfante nesse filme em que as personagens Jobs e Joanna se completam,
fraternalmente, numa existência que parece exigir deles, cada vez mais, coragem,
persistência e mútua lealdade. Esse encontro foi tão expressivo que merece acontecer
novamente: que isto ocorra em breve!
Cícero Émerson do Nascimento Cardoso
[1] FISHMANN, Rafael. Steve Jobs não é só mais um filme sobre
Steve Jobs. Disponível em: https://macmagazine.com.br/2016/01/12/critica-steve-jobs-nao-e-so-mais-um-filme-sobre-steve-jobs.
Acesso em: 13/02/16.
[2] SCOTT, A. O. Review: ‘Steve Jobs’, Apple’s Visionary
C.E.O. Dissected. http://www.nytimes.com/2015/10/09/movies/review-steve-jobs-apples-visionary-ceo-dissected.
Acesso em: 13/02/16.
[3] “A precisão biográfica deste
retrato não é minha preocupação. Biografias cinematográficas de famosos não são
documentários”.
[4] ROSE, Steve. Michael Fassbender on playing Steve Jobs:
“Was he flawed? Yeah! We all are”. http://www.theguardian.com/film/2015/nov/12/steve-jobs-well-done-portraying-the-apple.
Acesso em: 13/02/16.
[5] “Apesar da pouca semelhança
[...], Fassbender habita a persona Jobs com convicção convincente – muito antes
de ele entrar na polo de gola preta”.
[6] GRAÇA, Eduardo. Entrevista: Kate Winslet sobre “Steve Jobs”:
estava disposta a desaparecer neste papel. Disponível em: http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2016/01/14/kate-winslet-sobre-steve-jobs-estava-disposta-a-desaparecer-neste-papel.htm.
Acesso em: 13/02/16.
Nenhum comentário:
Postar um comentário