terça-feira, 23 de julho de 2019

CRÔNICA: ISABEL ALLENDE, POR QUE SOU DESLOCAMENTO?


Como sou viciado em entrevistas, acordei angustiado e procurei alguma que me fizesse ficar mais alegre. Em minha busca, encontrei Isabel Allende sendo entrevistada na década de 1990. Mal concluí o vídeo, em êxtase, devo dizer, e eu me postei a escrever um texto. Há pessoas extraordinárias no mundo – Isabel Allende é uma delas.

Em certo momento da entrevista, Allende falava sobre a sensação de deslocamento que é comum a alguns escritores. Ela se indagava se, em seu caso, teria a ver com o fato de ter sido abandonada pelo pai. Eu não poderia me sentir mais identificado com ela – seja pela sensação de deslocamento no mundo, seja pelo fato de que também vivenciei essa experiência pouco simpática de abandono paterno.

Deslocamento é sensação que me define. Mais intensa ou mais forte em certos momentos, estar deslocado do mundo sempre foi meu modo de percebê-lo. Parece que eu traio a mim mesmo sempre que tento me adequar ao que sugerem ser comum, normal ou típico. O mundo não é meu e eu não sou dele – estamos fadados a uma relação de fracasso desde sempre.

Parece-me que, para fazer parte, para me integrar, para adequar meu olhar estranho ao mundo e seus artifícios, vivo as experiências que os demais exigem de mim. Volto do campo de batalha, no entanto, cada vez mais destruído. Minhas mãos retornam vazias e meu olhar envolto em névoa. As pessoas não sabem, nem sentem, mas vivê-las é caos que meu espírito não comporta.

Exilado no mundo, meu espírito – se existe algum – deseja voltar para casa com a esperança vã de que haja espaço que represente pertencimento. Pessoas, lugares, experiências, tudo é vão para meus pés que não sabem marchar – há tanta luta que não sabe de meu coração medroso!

Para tentar convívio, para entender o mundo, por medo, faço o que os outros poderiam aceitar como gesto de ajuste, porém meu corpo não suporta a dor de ajustar-se. Vivo minhas causas com tentativa de transgressão, no entanto mal passa o gesto e a vergonha arremessa, com violência, meus olhos contra um espaço que não lhes cabe. 

Nas mãos de quem o parece comportar, meu corpo morre. Não sinto vida quando tateiam do meu corpo a palidez e o desajuste. Quando me permito a isso, estou sem chão, estou sem mim. O mundo não me pertence, nem eu a ele. Estou sozinho em exílio estranho. Preciso de luz nas trevas do que ainda sou, mas não me encontrarei comigo mesmo enquanto eu não conseguir dizer NÃO para o que é o SIM do mundo. Estou cansado de tentar adequações. Será que meu lugar de paz não está exatamente no deslocamento que me define e, sinceramente, me amplia? Será que meu destino não é organizar meu mundo para melhor lidar com o espaço externo a ele tão violento e trágico? O mundo, disso estou certo, não me comporta! 

Émerson Cardoso
23/07/2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário