domingo, 1 de março de 2020

A CRUELDADE COTIDIANA QUE HABITA EM NÓS


Crueldade tem a ver com pessoas que sentem prazer em fazer o mal e são indiferentes ao sofrimento que causam ao outro. Pessoas cruéis realizam atos maldosos e, por motivos diversos, não têm piedade, compaixão, empatia, predisposição a respeitar a dor e a fragilidade do outro. 

O século XX viu a tecnologia, a razão e o conhecimento a serviço da barbárie. Não subestime, no entanto, os séculos anteriores, porque eles viram o homem massacrar, punir, maltratar e subjugar seus iguais em condição humana por motivos torpes - a escravidão existiu e tem suas consequências.

O século XXI, coitado, achava que estaria isento da crueldade humana? Mas que iludido! Não, ele não está isento. Ao contrário, ele se manifesta em sua plenitude e face desoladora. Isso ocorre em espaços variados e em constantes atitudes que as pessoas realizam por hábito. 

Olhe em redor e não vai ser difícil perceber as navalhas discursivas que massacram almas no cotidiano da vida. Há pessoas que não hesitam em humilhar, destruir, fazer sofrer, deturpar a vida dos outros com pensamentos, palavras, atos e não omissões. Sentimento de culpa ou senso crítico não lhes pertencem. Elas querem que as outras explodam. Sim, o objetivo, por vezes, é vê-las explodir moral, física e cognitivamente... 

O que falta para que as pessoas entendam que conviver fraternal e eticamente é o caminho mais viável? As pessoas confundem muito as coisas: não precisamos ter afinidade com todos, ou mesmo corresponder às expectativas deles. O que precisamos, de fato, é respeitar, compreender, ter solidariedade uns com os outros. Cansa lidar com a maldade manifesta em discursos ferinos, em egocentrismos que tornam insustentável a possibilidade de conviver respeitavelmente. 

Não há razão para sermos tão medíocres, mesquinhos e, sobretudo, patéticos em nossas baixezas humanas. Estamos presos a uma concepção tão restritiva da vida, por vezes, que parece inconcebível idealizar um espaço comunitário em que as pessoas possam, ainda que minimamente, conviverem em suas diversidades e subjetivações. 

Por que decidi refletir um pouco sobre crueldade? É que sou professor. Sim, porque sou professor e vejo que a crueldade realiza frequentes bailes na cratera acrítica na qual alguns seres que exercem essa profissão costumam se entrincheirar. Não sou perfeito, é certo, mas por ser imperfeito não vou admitir que serei eternamente falho como uma fatalidade. Estamos no mundo é para nos tornarmos pessoas melhores, ou não? Vamos esperar que a barbárie dance sobre nossos cadáveres egocêntricos? 

Cansei de ser vítima da crueldade dos outros e fingir que está tudo bem. Vou me observar com mais afinco para também não me flagrar em atos de crueldade. Vou gritar canções líricas e poesias de afeto, porque a excelência da alma é o encontro consigo mesma e com o outro - e a arte que quero compartilhar pode nos redimir dos ódios de estimação que se materializam em palavras e gestos de crueldade. Quanto ao mundo, seria tão melhor conservar a generosidade do silêncio quando o que temos a dizer é massacre contra aquele que não está presente para se defender. Sobreviveremos a nós mesmos? Sobreviveremos à crueldade dos outros? 

Espero que sim, ó céus!

Émerson Cardoso
28/02/2020

2 comentários:

  1. "a arte que quero compartilhar pode nos redimir dos ódios de estimação que se materializam em palavras e gestos de crueldade." Quanta verdade em um texto só. Parabéns!👏🏼👏🏼👏🏼

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