segunda-feira, 11 de outubro de 2021

VIAGEM EM OUTUBRO QUENTE


Isto não é diário de bordo, relato de experiência ou memória. É sobre a tríade da Terra e um gato. Gatos gostam de Terra, como pulam pela própria natureza e miam em busca da mãe. 

Quando alguém viaja também está em busca. Cada um que traga a motivação para a fuga em setembro amargo, ou outubro quente. 

Gatos já nascem prontos. Nada de questões profundas de vida ou morte para ruminar. Humanos à sua volta é que estão perdidos. No tempo de sono demorado para gatos, humanos tecem fotografias. Recortes de momentos ou desenhos na alma? Ambos. Acontece que fotografar é menos pelo aparelho tecnológico e mais pelos sentidos. 

Gatos eriçam a pele quando Redemption song é cantada em noite de lua-não-cheia ao léu? Sobre a lua, os pescadores me garantiram. E era mais uma mentira. O reggae na caixa de som de um homem sentado aos pés de uma palmeira, tendo um balanço ao lado, não foi mentira. Sabe fotografia impossível de realizar? A solidão balançando de um lado para outro em ritmo noturno de mar sem trégua.

Quando ele, o gato, apareceu, era noite e a paisagem fazia festa de mal-estar. Bar amargo, café ciumento e futuro sem bancos de praça. Os gatos já nascem pobres, porém já nascem livres? Humanos nascem de maneiras diversas, mas livres talvez nunca sejam. Mesmo no impulso teimoso de Virgem, na vitalidade cômica de Capricórnio e na pasmaceira bruta de Touro, ser livre é batalha de todo sempre.

Os gatos têm medo do inesperado? Eles percorrem estradas com velocidade e atravessam curvas sem prudência? Gatos só querem miar, porque existem assim. Humanos é que se distraem em busca de. É tão bonito o que escapa ao registro. Virgem conduzindo o mundo. Capricórnio e precipícios superados. Touro, o fixo, colhendo vida no medo que não disfarça. 

Pessoas desconhecidas surgem sempre pelas vidraças. Feliz quem é, nesta vida de ausências? Talvez nem seja triste o olhar cansado dos homens e mulheres ressurgindo urgentes.

Andar com areia nos pés. Tudo sol ou noite em movimento. Passado. Presente. Futuro? A vida com seu jogo de brincar de infâncias pobres. Ela que não contava com a teimosia de três almas de vigor terrestre. Vento no rosto queima, mas ainda é resquício de liberdade. A vida sem resposta. 

O destino tem vontade de rir da gente com barulho e olhar sedento. Para ele, nossa desforra. Dançar e cantar e viver até o corpo ranger agradecido por se alegrar um pouco que seja. 

Houve a anfitriã de leveza e riso, pois Gêmeos pode ser movimento e força. Seria o caso de fugir com o circo para encontrar no mundo o direito de ser o que se é? Desencanto de pedra. Travessia em escombro. Caminhar pela noite. Não sucumbir. 

Depois, o retorno. Estrada sempre com curvas, almoço em paisagem simples, arcanos querendo voar e canções para preencher vazios. Já a rapidez engolia o tempo. 

O gato, depois de ter seus humanos nas mãos, arranjou-se em novas paragens. Ele que não chorou na despedida. A tríade de Terra, às pressas, também teve momentos de adeus. O gato ficando para trás. É que nas despedidas dançam mãos cansadas pedindo chão para repousar. O gato constatando seu lugar ao sol. Alguém cantou Valsa da despedida

Agora, bagagem aos pés. Uma questão filosófica se imprime nas linhas da mão: quantos passeios de vida ainda teremos em outubros quentes?   

Émerson Cardoso

11/10/2021

 



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