terça-feira, 31 de maio de 2022

CARTA A LIDUÍNA BENIGNO XAVIER, AUTORA DO LIVRO "TECLADO DE AREIA"


 Juazeiro do Norte - CE, 31 de maio de 2022

Caríssima Liduína Benigno Xavier, 

Na crônica Sempre Rachel, do seu livro Teclado de areia, publicado em 2022, você comenta que leu Cartas exemplares, de Gustave Flaubert, e alude ao fato de que o gênero epistolar descortina informações sobre os autores nem sempre encontráveis em manuais ou biografias. 

Você diz, ainda, que se sentiu privilegiada por poder entrar no universo de Gustave Flaubert (autor que pesquiso atualmente) através das correspondências dele. Além disso, você criou um parágrafo no qual afirma (XAVIER, 2022, p. 26): "E, sendo pessoa afeita a devaneios, logo me imaginei recebendo cartas de escritores e sendo envolvida na aura de inspiração que sempre exala de figuras modelares". 

Escrever e receber cartas, concordo, é um exercício instigante. Amo esse exercício. Ah! Compartilho de sua tendência a devaneios. Penso que isso nos torna escritor e escritora. Escrever, a propósito, é um ofício árduo, mas ele amplia tanto nossa existência, não acha? Escrever, para mim, é o ar que eu respiro. Sem poder escrever, acho que morreria. 

Por falar em devaneio, você, em seu devaneio-lucidez, imagina a possibilidade de enviar uma carta para algum talento da "constelação literária" que você tanto ama e escolhe a incrível Rachel de Queiroz, autora cuja obra pesquiso desde 2004 e que apresentarei por meio de estudos acadêmicos em livro que está em processo de revisão para ser publicado em breve. Pensei, em verdade, que você fosse escrever essa carta para Rubem Braga. Eu percebi seu amor devotado a ele em Crônica de um amor que nunca houve, O velho Braga, Rubem Braga mora na minha estante, Moqueca de siri e Madeleines e Recado de verão. Ele merece, certamente, esse amor. Que escritor grandioso! 

Ao escolher Rachel de Queiroz para enviar sua carta, essa autora cuja obra amo tanto, você, inteligente que é, inicia uma crônica na qual explana sua experiência de leitura de obras da autora e, desse modo, trata de características dessa obra trazendo, também, breves informações biográficas acerca da escritora cuja obra tem valor literário inconteste. Você é esperta, viu? Enquanto cria expectativas no leitor sobre uma carta que pretende escrever para Rachel de Queiroz, você escreve uma crônica. Sim, uma crônica metalinguística (e seu livro traz exemplos incríveis de textos que exploram a metalinguagem, como é o caso de Ofício de cronista, Uma crônica é uma crônica é uma crônica, Receita de crônica, Ser cronista e Crônica, eu te amo etc.) que é uma louvação a essa mestra fundamental quando o assunto é a história da crônica no Brasil.  

Por falar em seu livro, acredita que o li, de fôlego, no primeiro dia que o recebi? Sou professor de Língua Portuguesa e Literatura, então levei crônicas suas para sala de aula. Eu tinha aulas planejadas sobre o gênero crônica na semana em que recebi seu livro e o incorporei de imediato em minhas aulas. Li em sala de aula: Receita de crônica, Notas de aula no caderno novo e Louvação ao álcool gel (como crônica traduz o cotidiano, esta me foi indispensável para tratar com estudantes sobre essa peculiaridade do gênero). 

Eu teria dificuldade de dizer qual foi a crônica de minha preferência. Em geral, seus textos são maravilhosos. Não entenda esse elogio como algo simplório, hein, porque li e reli seus textos com interesse. Sua prosa é simples, leve, imagética, lírica e tem a peculiaridade de construir uma linguagem acessível sem, contudo, perder em qualidade literária. Agora, a crônica que me deu um nó na garganta foi Precisamos falar dos mortos. A morte é um tema doloroso, mas envolvente. Essa crônica me fez entrar em contato com a tragédia que vivemos recentemente: ainda caminhamos sobre os escombros da pandemia. Perdi pessoas queridas para a Covid-19. Seu texto me foi catártico à medida que me levou a pensar e repensar essas perdas tão dolorosas vividas por mim e pelo mundo. 

Teclado de areia é um livro de metalinguagens e reflexões sobre o ofício de escrever. Não estranhe se alguns textos seus forem retomados em atividades de escrita literária, porque eles seriam exemplos criativos do que é postar-se diante do papel em busca de algo a ser escrito. 

Para concluir, devo dizer: você escolheu Rachel de Queiroz para destinatária de sua carta, e eu escolhi você. Sim, eu escreveria uma carta para você. Eu diria nela o quanto seu texto é criativo, valoroso e repleto de qualidades. Seus textos são um exercício de pensar, de sentir, de ver o mundo com sensibilidade e, sobretudo, de construir novos horizontes quando a ideia é expurgar pela escrita o que a alma resguarda. 

Você precisa escrever uma carta para Rachel de Queiroz, Liduína Benigno Xavier, e eu precisava escrever essa carta para você. Nela, vai o meu abraço comovido. Espero nos encontrarmos para um café literário dia desses, pois quero ouvi-la dizer sobre o processo de escrita desse livro que recebeu prêmio e tudo, merecidamente, viu? 

Cordialmente, 

Émerson Cardoso


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