terça-feira, 31 de maio de 2022

RESENHA CRÍTICA DO LIVRO "CRUVIANA", DE JOVINA BENIGNO



BENIGNO, Jovina. Cruviana. Fortaleza: OIA Editora, 2022.

O livro de poemas Cruviana, de Jovina Benigno, apresenta vinte e quatro poemas divididos em duas partes. A primeira parte é intitulada Mergulho insepulto (nela constam treze poemas). A segunda parte é intitulada Memória sepultada (nela constam onze poemas).

 

Na primeira parte, a autora inicia seu versejar com o poema Mergulho. Nele, a voz lírica, autodenominada estrangeira do tempo, se deixa abandonar e encontra na palavra a liberdade de ser e de estar no mundo. Em Erva de São Lourenço, o tom metalinguístico invade a voz lírica em busca de afirmação poética. N’O cheiro dos igarapés, a autoafirmação se configura pela compreensão do ser mulher em todas as suas possibilidades lírico-existenciais. Nele, localizamos versos de uma ousadia poética digna de nota:

 

Homens e mulheres,

beijo suas bocas

lambo seus sexos

sem olhos vendados.

(BENIGNO, 2022, p. 35)

 

Isso também ocorre n’Os alienistas, que apresenta uma voz sem qualquer medo de ser considerada insana ante os julgamentos que a atiraram “em celas / sem capelas”. Em Jacarés chegando, há um tom de observação social que vê a realidade e o não alento para vidas percebidas à margem. Há nele, ainda, a crueza de palavras que leem a existência “na putrescência” do ser. Em Olhos vazados, as palavras também são cruas, mas nesse caso observam outro aspecto da condição humana: o amor que deixa a voz lírica “feito barco naufragando” ante impossibilidades.

 

No poema Rosa, na cabeceira, temos as desventuras de um livro envelhecido e abandonado que exigia de sua leitora um processo de ressurreição. O livro, descobrimos, é de Guimarães Rosa e grita, em sua força expressiva, por um olhar de acolhimento. Em seguida, vem a leveza do Balão fugindo que, em verdade, busca liberdade e cura nas cores de chuva e de sol impregnadas de mar.

 

No poema Salvo, o dia, fragmentos do passado e alusões a Manuel Bandeira dão a tônica. A leveza desse texto contrasta com Foice volátil, que traz como tema a morte e suas reverberações dolorosas. Também a morte está presente na desilusão do primeiro amor configurado pelo preterimento, que surge como tema no Pão bolorento. O preterimento amoroso, experimentado pela voz lírica com amargura, volta a ser tema no Último desejo. O lirismo pungente que constrói a beleza desse texto é uma das melhores realizações do livro.

 

A primeira parte da obra termina com mais um texto alusivo à morte. No caso, o poema Versos mortos, construído com a expressividade de imagens líricas retiradas de “vapores com cheiro de éter”, “presas cheirando a alho” e “baratas em festa”.

 

A segunda parte do livro inicia com o texto que lhe dá título: Cruviana. Nele, novamente nascem rememorações, tempos de chuva “na casa furada”, de “baldes cobrindo o peito”, de “telhas quebradas” e de infâncias que “brincam de roda”.

 

N’A mala, Juazeiro e a poeta, a voz lírica relata uma viagem ao Cariri cearense, mais precisamente uma visita à cidade de Juazeiro do Norte, ocasião em que pode ver, na “sacola perdida”, o peso do “poema de uma vida”.

 

Serenata, que vem na sequência, retoma cenas e cenários de uma casa que ainda recebia canções de amor para moças na janela. Ainda no contexto imagético da casa, temos redutos de vida, memórias de cotidianos antigos e profundidade de experiências familiares reconstruídas n’O suor na bacia, que é dos textos mais emocionantes da autora.

 

O tom melancólico, apresentado anteriormente, dá espaço, em Resenha, a lembranças alegres e momentos felizes. A queda da cachoeira traz o tema do amor ausente, mas há nele a capacidade da voz lírica de “amar de novo”. Depois, em O canto do xexéu, temos um olhar novidadeiro sobre o pássaro e, ao mesmo tempo, sobre as claridades e levezas da vida.

 

No meio da sala é doloroso, com imagens de chuva e de morte. Fala-se de perdas na infância e comenta-se sobre “vida após a morte”. Em seguida, Prece aos mortos retoma a compreensão da morte pelo ângulo de visão infantil: curiosidade, medo e constatação da ausência. Nele, localizamos uma das estrofes mais belas do livro:

 

A foice erra o coração

dos fenecidos fornidos de bem

deles me restam

o pesadume da exiguidade

a revelação nas cinzas

a profundidade das covas

o dilacerante amor

sem o consolo do coro dos corações.

(BENIGNO, 2021, p. 117)

 

A morte é retomada em Retrato póstumo. Irrompem desse retrato imagens do pai, da mãe e dos irmãos, ausentes no tempo, mas presentes no tecer dos versos. E o livro termina com Sabores e saberes. O luar é um “magno presente” que observa “a noite e os notívagos”. A voz lírica confessa que não há “arrependimentos sob a luz da lua”. Existem, porém, “carícias orvalhadas” iguais a “um beijo cheio de luar” e, com isso, um universo poético se fecha nas páginas do livro para abrir-se na memória comovida de quem lê.

 

Consciente de seu fazer poético, Jovina Benigno trata, dentre outros temas, do erotismo, da condição da mulher, da praticidade da vida, das alegrias, da morte, das dores da alma e, sobretudo, da humanidade em seu sentido mais profundo. Esse livro é uma porta aberta para a brasilidade, é um encontro festivo com o simbólico, é uma viagem prazerosa (também dolorida) pelas terras áridas ou vívidas que se abrem à poesia do simples e à natureza do belo. Ele é recomendável pelo lirismo, pela profundidade, pela poeticidade e pela beleza. Há muito a ser vivido nessa obra de expressividade inconteste.

 

Jovina Benigno nasceu em Fortaleza–CE. Graduada em Letras e Direito, ela participou em diversas antologias e publicou, em 2020, o livro Versus de uma vida, pela Editora Scortecci. Em 2022, a autora publicou Cruviana, pela OIA Editora.


Onde comprar o livro: 

No instagram: @jovinagb


Nenhum comentário:

Postar um comentário