Foge de mim a
realidade quando pelas ruas ando – nem sempre ocorre, é certo. Quando ocorre,
porém: meu olho fixa algo que está além do que me possibilita a visão. Não
diferencio o mundo interior do mundo exterior: torno-me vazio e preenchido como
se personificasse o claro do dia nas sombras da noite.
Meus olhos
entram em espaço contíguo que sequer caberia a mim, quando pelas ruas ando. Alguma
voz ou face humana, algum barulho ou invenção moderna, tiram-me, de quando em
vez, do mundo em que mergulho. Estar fora do concreto das coisas é uma ação que
não posso evitar – caio no fora e percebo-me no dentro. Dentro de quê? De quem?
Câmera de um filme que vislumbra detalhes invisíveis: meus olhos padecem por saberem
perscrutar o invisível. Cânticos gregorianos tumultuam meus ouvidos – e as
pessoas que me veem não sabem que são figurantes de um filme de morbidez sem
fim.
Quando ando sozinho pelas ruas, minha voz resguarda canções inexpressivas, línguas
incompreensíveis, poemas indecifráveis. Monge solitário que precisa conviver,
por algum motivo, com o mundo prático eu sou. Meu corpo é um mosteiro de
paredes espessas, e a alma cheia de medos e necessidades grita aprisionada. Viver
é uma escadaria a ser percorrida com sofreguidão, mas no topo há um templo
aberto para que eu cante paz de espírito e silêncio...
Ninguém sabe,
não sei me expressar bem... Quando sozinho estou torno-me um monge perdido e
simples que espera olhares de benevolência – minhas mãos vazias pedem envergonhadas
um bocado de Deus que me valha e cure. Não sei ser com o corpo em fráguas, com a dor em mim, com o olhar do outro... Não sei ser com o
meu olhar covarde e frígido e desumano quase sempre. Meu olhar, quando caminho
solitário, percebe do pecado minha dor ingente. Sou gente, mas não me vejo assim quando em mim crescem sentimentos involuntários.
Cada passo
queria que fosse um encontro a mais com o perdão e suas falanges místicas: como
posso amar o que é humano se o que há de humano em mim dói por ser humano? Nem eu
mesmo entenderia. Mesquinharias humanas percorrem meu corpo – sou o que poderia
ter paz mas não se deu ao luxo. Se eu pudesse entrar, de vez, nesse mundo que
meu olhar vislumbra, a vida seria plena. Palavra alguma explicaria o que desejo... Enquanto isso, meu corpo marcha perdido comigo dentro:
e a vida prática deseja me devassar. Fecho por alguns segundos os olhos: nada
me vem como consequência disto. Caindo, o corpo me abraça de vez a alma. E a
realidade brinca em meu olhar como se quisesse apresentar pontos positivos e
negativos: não sou real, não sei ser o que se convencionou ser
humano, não sei conjugar o verbo que me daria a mim mesmo mais que eu pudesse
entender. E ando sozinho sempre, mesmo quando em companhias estou por algum
motivo.
Émerson
Cardoso
30/05/15