Mateus
Meira, que disparou contra a plateia de um cinema de São Paulo, em 1999, era um
cara sem amigos, não frequentava grupos. Wellington Moreira, que matou alunos
de um colégio em Realengo, não tinha namorada e quase nunca saía de casa.
Anders Breivik, o norueguês que matou 77 jovens na Ilha de Utoya, só se
relacionava com alguns poucos fanáticos como ele, pela internet. James Holmes,
que semana passada matou 12 pessoas durante a exibição do novo filme do Batman,
nos Estados Unidos, era considerado um sujeito recluso.
Não significa que cada garoto trancado
em seu quarto vá amanhã ter seu dia de psicopata, mas coincidência não é.
Estudos revelam que grande parte dos que cometem essas atrocidades são
depressivos e, por consequência, se isolam da sociedade. Muitos não buscam
tratamento, consideram-se apenas “na deles”. E os pais acabam por respeitar seu
jeito de ser. E os colegas não os chamam para as festas. E as garotas os
rejeitam e namoram meninos mais populares. Apartados de todos, eles vão se
confinando num cativeiro mental e social, passando a levar mais em conta a
fantasia do que a realidade. Mas sofrem com a exclusão, ou não desenvolveriam
uma personalidade tão vingadora.
Não se mata para brincar. Quem atira
está atirando em inimigos imaginários, oriundos da conhecida “oficina do
diabo”.
São tragédias de exceção, não acontecem
todo dia, mas há solitários que, em grau bem menor de maluquice, também se
transferem para universos paralelos e alimentam ideias absurdas que, por não
serem discutidas com amigos e parentes, acabam fermentando e levando a
desastres. No máximo, buscam na internet pessoas tão isoladas quanto eles, que
confirmam suas sandices. Se discutissem com quem realmente os conhece, com quem
os ama, seriam questionados e viveriam a experiência da troca de ideias e da
orientação. Mas sozinhos, entre quatro paredes, correm atrás da veneração
garantida de outros outsiders.
Sempre que um filho nosso está com algum
problema (ou sofrendo porque uma garota não quis sentar a seu lado na aula, ou
com notas baixas, ou com espinhas, vá saber), é preciso se perguntar: ele tem
amigos? Ele é convidado para aniversários, viagens, churrascos, jogos
esportivos? Ou ele é um esquisitão que não quer saber de ninguém e ninguém
dele? Porque se ele tem amigos de fato, os problemas provavelmente são típicos
da idade, e não sintomas de uma desadaptação crônica.
Ter um ídolo não é ter um amigo.
Conhecidos virtuais tampouco formam uma turma de amigos. Dizer “oi, tudo bom?”
é só um cumprimento. Relacionar-se é outra coisa: exige tempo, dedicação e
abertura para conviver com pessoas variadas e diversas, o que ajuda a formar
uma identidade saudável.
Quem não se relaciona com os outros,
pensa que se basta sozinho, mas não se basta: dentro da cabeça, dá trela a seus
demônios, os únicos a quem escuta.
MEDEIROS, Martha. A graça da coisa. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 102 - 104.
Nenhum comentário:
Postar um comentário