domingo, 16 de junho de 2019

CRÔNICA: QUEM TEM MEDO DE SER HUMANO?


Há uma canção cristã, de autoria do admirável Padre Zezinho, que diz: "Não sou santo, nem sou anjo, nem demônio, eu sou só eu..." Esta letra de canção, intitulada Canção dos imperfeitos, me faz refletir tanto sobre mim, sobre meus arroubos de humanidade empedernida e sobre o quanto sou complexo em minha tentativa estúpida de ser perfeito demais. Constato, a cada ano que passa, que, em decorrência de auto-policiamentos constantes, tenho me tornado vítima de uma estranha necessidade de autorrepressão e, também, de uma sensação de culpa que me atormenta em demasia se não cumpro as regras que eu mesmo estipulei para mim. 

Na busca doentia de não errar, eu termino, muitas vezes, por errar mais e, consequentemente, vivencio uma culpa sem precedentes na história da humanidade. Crio para mim mesmo, por motivos diversos, os mais absurdos meios de auto-punição. Por que trago em mim essa estúpida pretensão de nunca errar? Por criar essa suposta busca pelo não erro, condeno os meus erros e os dos outros - e este último ponto me é mais grave. Com que direito posso apontar os erros dos outros, julgá-los e condená-los? 

A voz lírica da canção mencionada acima diz: "Eu sou contradição, eu sou imperfeição, só Deus é coerente!" Isto me define: quero ser perfeito, mas, paradoxalmente, torno-me mais imperfeito. Incoerente que sou, transformo a consciência do erro em dor e, como forma de amenizar, torno-me severo demais comigo e com o mundo. Não seria mais fácil aceitar que o ser humano, em sua pequenez, é falho? Não seria mais fácil aceitar que, sendo um ser humano, eu também faço parte do clã dos que erram aos arroubos? 

Foi assim que, por não me aceitar em minhas falhas, passei dias e noites perdido em sombras e medos e angústias e dores, quando eu poderia ter sido simplesmente eu mesmo e, com isto, eu poderia ter vivido a leveza em sua mais profunda acepção. 

Na ilusão de ser melhor do que aqueles que não procuram se auto-policiar, como eu fiz a vida inteira, no que me tornei? Eu me tornei, em certos momentos, deprimido, monomaníaco, medroso, perdido e infeliz. Procurei a solidão como subterfúgio e, com isto, tumultuei meu ser com vozes auto-depreciativas e cheias de auto-comiseração. 

Além disso, busquei ser coerente quando, em verdade, criei desculpas para não me aceitar passível de erro. Revesti meu rosto com máscaras que afixei em mim com pregos dilacerantes. Menti para mim mesmo, fingi milhões de telas e palcos, porque o ato de assumir para si mesmo que errar é permitido não é algo que se possa vivenciar sem um script bem delineado. 

A pergunta que me vem à mente após essas reflexões é esta: o que sou senão um ser imperfeito, incompleto, em processo de descoberta e que, inevitavelmente, erra? Eu caio, perco as estribeiras, minto, invejo, ambiciono, desejo, tenho raiva... Eu sou contradição, imperfeição, incapacidade de perdoar... Eu sou um poço de rancor e tenho medos absurdos e incontroláveis!

O que mais faço, e devo repensar isto com urgência, porque não tenho condições morais para fazer isso, é apontar os erros dos outros. Com que direito eu poderia apontar erros quando eu mesmo os tenho aos turbilhões? Acredito que a leveza da vida, em sua forma mais prática e real, é coisa de gente que não se propõe a ser Deus. Com isso, não quero dizer que devo tornar-me um atordoado sem prudência e assimiliar toda leviandade do mundo com a desculpa de que não devo viver de autorrepressões. O que quero dizer, em verdade, é que talvez eu só consiga ser uma pessoa melhor e mais digna quando for capaz de me reconhecer em minhas limitações e, desse modo, quando for capaz de reconhecer o outro em suas limitações e respeitá-lo, aceitá-lo e até amá-lo. 

O que devo fazer, então, para reconfigurar minha vida? Como me tornar uma pessoa mais livre de minhas próprias amarras? Bem, vou buscar as respostas enquanto estiver vivo, porque viver é isto: uma busca por melhores condições existenciais para si e para os outros. Quem sabe, assim, eu passe a perdoar o mundo e a mim mesmo por sermos, todos, para o bem ou para o mal, humanos!

Émerson Cardoso
18/06/2019


2 comentários:

  1. Este texto me define. Eu sou meu pior carrasco também. Contudo, tenho buscado essa leveza, apesar de tudo e todos.
    Sobre sua escrita, sou fascinada por ela. É incrível como você prolonga o texto sem afugentar o leitor. Talvez um dia eu chegue nesse nível.
    Beijos, querido.

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