segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

RESENHA CRÍTICA DA OBRA: “MA MÈRE” (MINHA MÃE), DE CHRISTOPHE HONORÉ


CARDOSO, Cícero Émerson do Nascimento. Resenha Crítica da obra "Ma Mère" (Minha Mãe), de Christophe Honoré. Revista Sétima de Cinema, n. 09, p. 06 - 07, nov. de 2013.

MA MÈRE (Minha Mãe). Direção de Christophe Honoré. Produção: Paulo Branco & Bernard-Henry Lévy. Elenco: Isabelle Huppert, Louis Garrel, Emma de Caunnes e Joana Preiss. França: 2004. Filme (110 min), DVD.
Contundente? Excedente e de forte teor apelativo? Imoral, indecente e pervertido? Muitos questionamentos (ou insatisfações pautadas em juízos de valor falso moralistas?) a obra cinematográfica francesa, do diretor Christophe Honoré, instiga. “Ma Mère” (Minha Mãe), baseado no livro de mesmo título de Georges Bataille, não parece agradar de fato a olhares mais ortodoxos.
No elenco, Isabelle Huppert e Louis Garrel dão vida, respectivamente, à Hélène (a Mãe) e Pierre (o Filho). No enredo, Pierre vê na mãe um objeto afetivo para além da relação materna típica de uma família tradicional e, em decorrência disto, vive a angústia: como lidar, no auge dos seus 17 anos, com a sensação de culpa que traz em si por devotar à sua mãe, também eroticamente, um intenso amor?
Pierre fora criado pelos avós e, após a morte destes, reencontra a mãe num momento cruciante de sua vida. Incertezas, sensação de desamparo e carência afetiva o conduzem, talvez inconscientemente, a buscar nos pais o afeto que estes lhe negaram em sua infância. Em seguida ao seu retorno à casa dos pais (um filho pródigo às avessas?), seu pai também morre. Resta-lhe, portanto, na figura materna a possibilidade de reencontrar o afeto outrora negado. Ante tantas perdas, a mãe passou a representar-lhe segurança e proteção – sua visão, no entanto, não correspondia à realidade: sua mãe era dada a condutas pouco arquetípicas do que se convencionou, socialmente, para uma mãe. As atitudes de Hélène eram antípodas a tudo o que Pierre idealizava – ela, no entanto, fez com que ele a acompanhasse em suas saídas noturnas para que, assim, se o filho a quisesse amar, a amasse por aquilo que ela de fato era. Hélène tenta desconstruir no filho a visão idealizada que ele construíra, como podemos perceber por suas palavras extremamente (não) maternais: “Sou uma porca, uma vaca, ninguém me respeita!”
As perguntas que iniciaram esta breve explanação ainda suscitam resposta. Sim, este filme é contundente, excedente em nudez e erotismo, mas é dotado também de uma pungência extrema por mostrar a fragilidade humana em sua mais deplorável manifestação: o corpo, que no auge de suas vicissitudes encontra, na busca pela satisfação do prazer, um norte, parece cair na mais deprimente sensação de desamparo e solidão.
Para fugirem da sensação de abandono as personagens desse filme parecem utilizar-se do corpo e suas possíveis experiências como um subterfúgio para superar uma existência fadada à deterioração moral, física e psicológica. Se o diretor, por meio desse filme, tenta mostrar um Complexo de Édipo mal resolvido, ou se tenta chocar pelo tema que aborda, o que podemos afirmar é que o enredo hiperboliza a necessidade que o corpo tem de encontrar conforto na satisfação dos desejos. Quando a mãe percebeu a ligação que tinha com o filho e tentou afastar-se, o que poderia sugerir uma necessidade de reprimir o que ela também provavelmente sentia por ele, parece-nos ter sido em vão o afastamento, pois as perversões do sexo, tão vivenciados pela mãe, foram fácil e intensamente assimiladas pelo filho.  
Voyeurismo, sadomasoquismo, bissexualidade, homoafetividade feminina e masculina, incesto, nudez, conflito religioso, drogas, saídas noturnas, sensações de culpa, vida, morte, prazer, autodestruição psíquica e física, que culminam com o suicídio de Hélène, compõem a atmosfera de desconforto, mal-estar e náusea mais que recorrentes nessa obra provocadora.
Não é uma obra recomendável para quem busca no cinema: leveza, tradicionalismos familiares, beleza como a concebe o senso comum e um enredo que não discorra sobre personagens mórbidas e sob efeito de conflitos psicológicos expressivos. Quem resolver assistir à obra de Honoré deve, antes de tudo, despir-se de uma visão mais puritana e adentrar (nem precisa ser empaticamente!) não sem choro e ranger de dentes na atmosfera lúgubre em que Hélène e Pierre estão envoltos. Vale considerar que a canção “Happy Together”, na interpretação da banda “The Turtles”, canção que também é trilha sonora de pelo menos mais três outros filmes polêmicos, foi uma boa escolha para compor a cena mais marcante e, ao mesmo tempo, deprimente de todo o enredo.
Christophe Honoré nasceu em 10 de abril de 1970, em Carhaix-Plouguer, e é diretor, roteirista e escritor. Diretor de filmes como “Les chansons d’amour” e “Les bien-aimés”, discorre sobre temáticas por vezes polêmicas e nada amistosas para quem não suporta mergulhos intensos na alma humana. 

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