Abri
o livro Um tiro no coração da poesia[1],
de Paulo Soares, e deparei-me primeiramente com o poema Espetáculo. A sensação de inconformismo da voz lírica coadunou com
a minha e, em busca de outros poemas que se aproximassem de mim
ideologicamente, fui lendo, de modo caótico, o livro deste autor natural da
cidade de Assaré – CE, radicado na cidade de Crato – CE. Diz assim o primeiro poema que eu li do livro:
ESPETÁCULO
Nesse
Circo de Ordem e Progresso,
Equilibristas
Desempregados
E palhaços no Congresso.
Paulo
Soares, já no início de sua obra, no espaço que corresponderia aos
agradecimentos, cria uma nota de repúdio em que atira contra o leitor suas
primeiras indignações – já prenunciadas no poema acima mencionado – contra a
realidade sociopolítica e sociocultural preponderantes no Brasil: “A mídia, a
ignorância e o mau gosto atiram pra matar. [...] A seca, o câncer e os
automóveis aguardam a presa relaxar. É muita sacanagem!” Suas palavras estão
bem ao gosto da Sociedade dos Cordelistas
Mauditos – importante movimento literário cuja produção estética discutia,
dentre outros fatores, o tecnicismo e a uniformização da linguagem poética do
cordel –, movimento que este integrou.
Alguns
poemas discorrem sobre a temática política de modo, em geral, irônico e não
menos agressivo – como podemos perceber nos poemas: Os coitados, Socialismo sintético, Poema público, A seca e Poema tóxico. O capitalismo que, por
meio da mídia e suas artimanhas, aprisiona o indivíduo surge recorrentemente
nessa obra – percebemos isto nos poemas: TV
de “Marcas”, Promoção, Poema reciclável e Miséria Multiação. Os avanços tecnológicos do século XXI – século cujas
bases são alicerçadas nos escombros da devastada modernidade que herdamos inopinadamente
– surgem também no discurso proferido por vozes líricas que detêm uma visão
inconformada, insubmissa e fatigada da vida. Viver à mercê de construtos ideológicos
que coisificam o ser, de tecnologias que não solucionam problemas básicos da
vida humana e que afetam o modo como o indivíduo pensa sua existência fadada,
por vezes, à impotência, à angústia e à solidão são os motes que, longe de
serem assimilados com condescendência, dão a tônica para uma contundente denúncia
social – isto é evidente nos poemas, por exemplo: As flores no escuro, Nome sujo, Ditado popular, Pessoa, Conta de
energia poética, S.O.S e CPF.
O
poema CPF, um dos que mais gosto, além
dos pontos acima apontados, traz à tona o evidente obscurantismo das relações: que
informações subjacentes à subjetividade do indivíduo devem ser consideradas em
se tratando de uma maior aproximação com o outro? Ante uma burocracia que costuma
desprezar nossos valores identitários, e esforça-se para nos transformar em
meros números, quem somos afinal? Ou melhor: como podemos nos dar a conhecer
ante o esvaziamento e a coisificação a que pragmaticamente estamos submetidos?
Como podemos esperar, desta feita, que as relações se efetivem?
Do
ponto de vista formal, a maior parte dos poemas apresentados nessa obra são
constituídos por versos livres, com algumas exceções. Há uma recorrência de
poemas que exploram o aspecto visual – como os poemas Só isso, A ideia, Ao vivo, Importância, O escuro e Impotência poética – e outros que
recorrem à técnica da redução estrutural e conteudística – percebemos isto nos
poemas: Poema para todos, Hi Fi e Orgasmo.
É
perceptível, em diversos poemas, o teor metalinguístico que indica uma
constante reflexão de caráter estético por parte do autor. Há, também, uma tentativa
de discutir a ação do tempo sobre o cotidiano e suas amarras inevitáveis:
pensar, refletir, sentir e poder viver, no irremediável, são preocupações
constantes das vozes líricas criadas pelo autor.
O
tiro evocado no título, que atinge em cheio a poesia, também atinge o leitor
que se depara com textos escritos com uma linguagem prosaica, simples e repleta
de trocadilhos – alguns muito inteligentes, como no contundente poema Cratólica, que faz uma crítica severa ao
atual bispo da diocese de Crato: Dom Fernando Panico. O texto diz o seguinte:
CRATÓLICA
Panico
fez
em público
o
que o público
faz
no penico.
Nas últimas páginas do livro, Paulo Soares,
personificando a poesia, sugere uma entrevista que ela teria lhe concedido. As
últimas palavras da “Poesia”, em resposta à pergunta do autor, que dizia
respeito à barbárie que prepondera no cenário político brasileiro, são dotadas
de pouco otimismo (SOARES, 2014, p. 87): “Não vejo saída. É isso. Posso mudar
tal concepção, porém, no momento não vejo luz no final do túnel”. Com esta
resposta da “Poesia”, mais uma vez certifico-me de que esse livro coaduna com muitas
das minhas concepções atuais sobre política e outros assuntos indigestos.
Paulo
Cesar Ferreira Soares, além de poeta, atua na área de Educação e tem
participação constante no cenário poético do Cariri cearense. Ele é graduado em
Letras, pela Universidade Regional do Cariri – URCA, e recebeu, em 2011, o
prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel (Patativa do Assaré).
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