Os preconceitos
não são inúteis. Eles têm uma função importantíssima na economia psíquica do
preconceituoso. Sem os preconceitos, a vida do preconceituoso seria
insuportável. Os preconceitos servem na prática para favorecer uns e
desfavorecer outros, para confirmar certezas incontrastáveis, manter a ordem e
descontextualizar os fenômenos. São parte fundamental dos jogos de dominação e
de poder, servem para mistificar, para manipular, mas servem sobretudo para
sustentar um ideal falso na pessoa do preconceituoso, ideal acerca de si mesmo,
um ideal de “superioridade”, sem o qual os preconceitos seriam eliminados
porque perderiam, aí sim, a sua função fundante.
Ainda que
sejam psicológicos e não lógicos, daí a aparência de irracionalidade, os
preconceitos funcionam a partir de uma lógica binária, bem simples, uma espécie
de “lógica da identidade”, mas em um sentido muito elementar, a lógica da
medida que reduz tudo, seja a vida, as culturas, as sociedades, as pessoas, ao
parâmetro “superior-inferior”. Preconceitos não funcionam fora de jogos de
linguagem que são jogos psíquicos, que produzem algum tipo de compensação
psíquica.
Vivemos
tempos de descompensação emocional profunda, em uma espécie de vazio afetivo
(junto com um vazio do pensamento e um vazio da ação que se resolve em
consumismo acrítico tanto de ideias quanto de mercadorias). Nesses tempos, a
oferta de preconceitos se torna imensa. No sistema de preconceitos, o objeto do
preconceito varia, conforme uma estranha oferta: se há muitos judeus, pode-se
dirigir o ódio, que é o afeto básico do preconceito, contra eles. Se há
mulheres, homossexuais, negros, indígenas, lésbicas ou travestis, o ódio será
lançado sobre eles, conforme haja oportunidade. Verdade que o ódio é sempre
dirigido àquele que ameaça, ou seja, no fundo do ódio há muito medo. O
preconceituoso é, na verdade, em um sentido um pouco mais profundo, alguém que
tem muito medo, mas em vez de enfrentar seu medo com coragem, ele usa a
covardia, justamente porque é impotente para enfrentar seu próprio medo.
O preconceituoso é, basicamente, um covarde.
Tendo isso
em vista, é importante falar de um preconceito que está em voga nesse momento:
o anti-intelectualismo. Há um ódio que se dirige atualmente à inteligência, ao
conhecimento, à ciência, ao esclarecimento, ao discernimento. Ao mesmo tempo,
esse ódio é velado, pois o lugar do saber é um lugar de poder que é
interessante para muitos. Se podemos falar em “coronelismo intelectual” como um
uso elitista do conhecimento, e de “ignorância populista”, como um uso elitista
da ignorância, como duas formas de exercer o poder manipulando o campo do
saber, podemos falar também de um ódio à inteligência, do seu apagamento.
Há,
dividindo espaço com opressões próprias ao campo do saber, um estranho ódio ao
saber em sua forma crítica e desconstrutiva. Um ódio que se relaciona com a
ameaça libertária do saber, um saber capaz de desmistificar, de contrastar
certezas e de desvelar a ignorância que serve de base para todos os preconceitos.
O pensamento e a ousadia intelectual tornaram-se insuportáveis para muitas
pessoas chegando a um nível institucional e, não raro, acabam excluídos ou
mesmo criminalizados.
Diversos
exemplos de anti-intelectualismo podem ser observados na sociedade brasileira.
Desde a caricata presença do ator Alexandre Frota (menos pelo que ele é, mas
sobretudo pelo que ele representa) como formulador de políticas públicas do
Ministério da Educação ao projeto repleto de ideologia (e mais precisamente: da
ideologia, de viés autoritário, da “negação do saber”) da “Escola sem partido”.
Do silêncio em torno da exclusão de disciplinas (filosofia, sociologia, artes,
etc.) do ensino médio (MP 746) à expressiva votação de candidatos que apostam
no uso da força, em detrimento do conhecimento, como resposta aos mais variados
problemas sociais. Do descaso com a educação (consagrado na PEC 241) ao
tratamento conferido aos professores em todo Brasil (na cidade do Rio de
Janeiro, uma das mais constantes críticas direcionadas ao candidato Marcelo
Freixo, que disputa o segundo turno das eleições municipais contra o pastor
licenciado da IURD Marcelo Crivella, é de que por ser professor não falaria “a
linguagem do povo”).
O alto
índice de abstenções, votos nulos e brancos (bem como a expressiva votação de
políticos que se apresentavam como não-políticos) também é um sintoma do
anti-intelectualismo, na medida em que o eleitor identifica o político como
aquele que detém o “saber político”, um “saber” que foi demonizado pelos meios
de comunicação de massa.
No sistema
de justiça ocorre o mesmo. O bom juiz é aquele que julga da forma que o povo
desinformado julgaria, mesmo que para isso seja necessário ignorar a doutrina,
as leis e a própria Constituição da República. Por outro lado, não são raros os
casos de juízes e promotores de justiça que respondem a procedimentos
administrativos acusados de decidir contra o senso comum propagado pelos meios
de comunicação de massa.
Em meio à
onda anti-intelectualista, não causa surpresa que a lógica do pensamento passa
a trabalhar com categorias pré-modernas como o “messianismo” e a “peste”. O
messianismo identifica-se com a construção de heróis e salvadores da pátria
(seres diferenciados, bravos e destemidos, mas que não são necessariamente
cultos ou inteligentes, nem corajosos, mas usam uma performance política em que
gritar e esbravejar provocam efeitos populistas). A lógica da peste identifica
cada um dos problemas brasileiros como um mal indeterminado, em sua extensão,
em suas formas e em suas causas, mas tangível e mortal, contra o qual só Deus
ou pessoas iluminadas podem resolver. Só há “messianismo” e “peste”, fenômenos
típicos de um conservadorismo carente de reflexão, onde desaparece o saber e a
educação.
A barbárie está em curso.
TÍBURI, Márcia. Ódio à inteligência: sobre o anti-intelectualismo. Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/2016/10/50931/.
Acesso em: 15/10/2016.
A constituição brasileira (salvo a 1884, 1937 e 1964, moralizadoras) apanha mais que "puta" em que gigolôs servem-se dela a trouxe-mouxe, retalhando, emendando, inserindo leis casuísticas , enfim locupletando-se com aprovo do Judiciário cujos alguns membros ainda têm a coragem de não obedecer certas imoralidades;
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