Já no primeiro segundo
houve o que parece estranhamento. Cor mostarda da calça, vermelho purpúreo da
camisa. Alma que pairava ao lado da porta sem exigir para si presenças. O que teria
sido determinante: a tristeza do olhar, ou o silêncio gravado em seu sério semblante? Talvez o gesticular discreto, ou a maneira de olhar para espaço indecifrável...
Não sei ao certo.
E houve, dessa forma, um surpreso olhar, depois outro olhar de reconhecimento e, no terceiro, vê-lo tornou-se a descoberta – quem poderia supor urgência e caos? Distante alma a deslizar no mundo, ele não
percebeu que se tornara o centro de observação tão ilógica quanto profunda – imagens insubmissas percorreram cômodos conflituosos.
A necessidade de descobrir
espaços para aproximação, o desejo de estabelecer diálogos amistosos e, de
repente, a voz silente que retumbava em si abriu portas e deixou passar da
amizade o fluxo. Amizade, ó céus, amizade – porque migalha alegra a quem na escassez pranteia.
Nascedouro de imagem fixa a passear insolente, seu olhar tristonho sorriu em fragmentos e sua voz ecoou em mim como a
relutar entre resguardar-se ou ser possibilidade. Eu no abismo – e cair, inicialmente, parecia não causar
temores.
Janelas incertas eram os
meus ressequidos olhos. Cada gesto seu deixava minhas mãos vazias – e
sedentas. Nadar em piscina de escorpiões tornou-se algo atrativo. Dormir e acordar
eram atos entristecidos: previsão de mal-estar desde o início até o fim.
E a vida arrastou-se
entre fundos olhos e impossibilitados pés. Convites amplos e estritos foram
enviados por aves que retornavam desamparadas. Inseguranças e comedimentos me instigaram a recorrer a mecanismos de racionalização.
A solidão estendeu
lençol de espinho e pontiagudas pedras. Recebi convite para, com meus pés
descalços, atravessá-lo. Não havia sentido, por isto a fuga. Não havia certeza,
por isto a melancolia. Não havia possibilidades, por isto o distanciamento. Tudo incerto, em
verdade. Tudo imprecisão.
Noite que paira em seus
olhos, obscureça minhas mãos em frêmito. Boca que reverbera silêncios, resvala
em minha existência almejante. Por mais que o mundo não nos suporte, ser
gratificante a quem olho com sofreguidão, eu não perderei do abismo a loucura de
vê-lo espelhado em meu olhar tristonho. Murmura o vento, sussurra a vida. E nossas
mãos poderiam, ó céus, reunirem-se para sempre na cumplicidade de um sentimento inquebrantável e simples.
30/10/2016
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