Sófocles
legou ao Ocidente, com a personagem Antígona, que tenta sepultar seu irmão
Polinice independentemente da oposição de Creonte, um dos maiores modelos de
abnegação, persistência e devoção fraterna de todos os tempos.
Enquanto na tragédia grega Antígona defende seu ethos familiar, e paga um alto preço por
isto, no filme O Filho de Saul (2015),
longa de estreia do diretor húngaro László Nemes, deparamo-nos com um pai que
tenta, a todo custo, preparar o corpo do filho para o sepultamento.
Este filme apresenta uma abordagem inovadora para a
temática do holocausto – tema muito explorado, mas inesgotável em suas
possibilidades de análise e reflexão sobre a condição humana. László Nemes
posiciona a câmera na maior parte do tempo às costas de Saul – interpretado
pelo ator húngaro Géza Röhrig – e, através deste mecanismo, leva-nos a enxergar
as cenas contundentes do campo de concentração sob o ângulo de visão do
protagonista. Saul, que realiza a função de limpar câmaras de gás no campo de
concentração em que está confinado, tem uma meta: ao encontrar o corpo do filho
entre os de outros judeus decide dar um sepultamento digno a ele.
Para cumprir sua meta, inúmeros empecilhos se impõem
em sua trajetória. Jogos de poder, nos bastidores do campo de concentração, tornam
sua meta uma árdua batalha contra suas próprias limitações e contra o sistema
totalitário que o torna vulnerável, mas que não o impele a arrefecer em sua
missão autoimposta.
Assistir a este filme vencedor do
Grande Prêmio do Festival de Cannes, do Globo de Ouro e do Óscar de Melhor
Filme Estrangeiro, foi uma experiência enriquecedora. Do ponto de vista estético,
o filme excede em lirismo, beleza e acuidade técnica. Do ponto de vista
temático, deparamo-nos com temas como a impotência humana, a perda diante da
morte, a persistência resultante de uma meta que o indivíduo assume para si.
Consideramos que o tema desse filme é, por excelência, a barbárie humana e o
que dela resulta: a coisificação do homem, o poder e sua tendência destruidora
e, sobretudo, a morte e suas consequências nefastas para quem tem que lidar com
o luto.
Ao tentar sepultar o filho, Saul nos
aproxima de um cenário absurdo – o campo de concentração é a barbárie humana em
sua forma concreta, tangível e avassaladora. Somos levados, através do olhar
dessa personagem silenciosa, a percorrer sendas infernais que nos conduzem para
sensações de sufocamento e impotência. O olhar de Saul, no entanto, grita como
na tragédia grita Antígona diante da tirania de Creonte, rei de Tebas:
“Deixa-me, deixa que minha loucura se afunde em horrores. Não padecerei, com
certeza, nada que não seja morrer gloriosamente”.
CARDOSO,
Cícero Émerson do Nascimento. Resenha: “O Filho de Saul”, de László Nemes. Sétima Revista de Cinema, n. 39, p. 17 –
18, jan. 2017.
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