Neste sentido, o que seria uma pessoa sem caráter,
ou melhor, mau-caráter? Fiz pesquisa e constatei que a lista de sinônimos é
longa, exige síntese. O mau-caráter é, portanto, tratante, covarde, mentiroso,
desleixado, troçador, infame, desonroso, trapaceador, vigarista, traiçoeiro,
fraudulento, velhaco, desleal, falso, utilitarista, improbo, interesseiro, duvidoso,
impudico, cínico, sem-vergonha, descarado, cafajeste, calhorda, biltre,
mal-educado, desrespeitoso, rude, grosseiro, provocador, violento, estourado e,
o que é pior, do meu ponto de vista, vulgar.
Eu não quero ser assim, Deus, não quero. Eu estou
ciente de que o ser humano, falível que é, pode trazer em si alguns ou todos
esses adjetivos. Mas eu não quero, não aceito, não posso fiar-me na ideia de
que também poderia agir assim apenas porque, irremediavelmente, sou humano. Ademais,
a história mostra que muitos humanos conseguiram ter caráter irreprochável.
Ninguém é perfeito, é certo, por isto é possível que um dia ou outro o espírito
desande e aja de acordo com alguma das condutas que, em seu conjunto, formam o mau-caratismo.
A imaturidade pode nos levar a isto, mas a imaturidade precisa passar. A proposito,
triste do ser humano que não sente a necessidade de mudar, de repensar a
conduta, de vislumbrar possibilidades de crescimento.
Dentre os termos que enumerei acima, parece-me que o
pior do mau-caráter é ser desleal e, neste caso, acrescento o fato de que todo
desleal é ingrato. Ingratidão é um aspecto terrível na conduta de alguém, devo
dizer. Além disso, deslealdade, que vem certamente da ingratidão, torna o
indivíduo falso porque, para conseguir o que queria de alguém, o desleal deve ser
perito em falsidade – e a isto se acresce novo aspecto: visão utilitária das
coisas e pessoas. O indivíduo deseja alcançar algo, cria traiçoeiramente uma
estratégia, utiliza a falsidade para engabelar o outro e age cínica e
sorrateiramente destruindo, sem qualquer reflexão sobre respeito, a vida de
alguém. Uma pessoa mau-caráter, ao que parece, é um Atlas – o mundo pesa-lhe
nas costas porque ela precisa articular muitas ferramentas para conseguir o que
quer.
Eu não quero ser assim, meu Deus, não quero. E,
pensando nisso, dentre os traços que comprometem minha índole, o que é triste
demais, a covardia é o mais gritante. Tanto a dizer e realizar, mas o excesso
de prudência – não seria melhor dizer medo? – me desencoraja. Tem a ver com a
minha infância? Precisei silenciar demais, fugir do enfrentamento, aceitar
calado a violência da vida. Eu tinha mãos erguidas pedindo auxílio, porém, como
eu não gritava a plenos pulmões, por não saber gritar, ninguém via o vazio
nelas renascido. Aprendi a escrever, no entanto, e isto foi um alívio.
Grande alívio este: quem escreve quer ser lido. Os
clássicos não são lidos, que espaço terão os amadores? A insegurança também
constituiria a índole mau-caráter? Tenho inseguranças demais, devo dizer.
Tendência à mágoa também? E orgulho? E omitir, algumas vezes, coisas que
desagradariam ao outro? Forçar indiferença pode ser mau-caratismo? E não querer
ver para sempre-sem-fim a face de quem se mostrou mau-caráter? Raiva represada,
raiva exibida, raiva em tom de voz, raiva no desprezo dispendido, raiva de moer
com o olhar, raiva sem precedentes – isto também indica traços de alguém sem
caráter?
Quero tirar o mundo das costas, porque ter caráter
pode conduzir o indivíduo à leveza – é a isto que devoto meu pensamento.
Preciso de leveza e paz – que ambição hercúlea! Eu posso ter sido falho mil
vezes, ou melhor, eu falho milhões de vezes, no entanto estou aqui confessando
meus pecados mil vezes mil para, a partir disto, prosseguir e não tornar a
pecar. Deus precisa estar comigo, porque, diante da vida e sua
imprevisibilidade, a carne tende a ser fraca e, disto estou certo, a gente
busca maturidade, caráter digno, gestos fraternos, mas as adversidades e a
preservação da vida podem pesar na hora de darmos respostas ao mundo. Eu, assim
como Sophie[1], também preciso fazer
minhas escolhas – ah, e que eu encontre em mim a leveza que tanto busco.
Émerson Cardoso
10/02/18
[1] Sophie’s choice (1982) é um filme norte-americano de drama dirigido
por Alan J. Pakula, que rendeu a Meryl Streep seu primeiro Óscar de Melhor
Atriz em 1983.
Nenhum comentário:
Postar um comentário