sexta-feira, 14 de junho de 2013

CRÔNICA: "ALUNOS E ALUNAS, EU TAMBÉM SOU ESTUDANTE"

    
Do grego Krónos, que significa “tempo”, a crônica é o registro de acontecimentos num tempo e num espaço determinados. É produzida por poetas e ficcionistas que, embora possam apoiar-se em fatos acontecidos, transformam a realidade do cotidiano pela força criadora da fantasia. Daí decorre que suas crônicas são ou poemas em prosa ou pequenos contos, dependendo do pendor do autor para o gênero lírico ou narrativo.

D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto: prolegômenos e teoria da narrativa. 2. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 123.




ALUNOS E ALUNAS, EU TAMBÉM SOU ESTUDANTE

Ao passar de frente a minha antiga escola de Ensino Médio, vejo inúmeros alunos e alunas saindo às pressas após uma manhã inteira de aulas. Alguns sequer refletiram sobre o fato de que estar numa escola faz com que eles se tornem partícipes do clã dos que tiveram o privilégio de poder estudar. Neste país em que para algumas crianças e adolescentes a vida é um tanto trágica, estar numa sala de aula pode ser uma dádiva, cabe a alguns alunos perceberem isso com maior sensibilidade. Nem sempre acontece assim – o que é lamentável.
               Esta crônica foi escrita para “meus” alunos e “minhas” alunas. Não só para os que neste ano estão sob meus cuidados, mas para todos os que, ao menos uma vez na vida, estiveram numa sala de aula sob minha guarda. Quando uso os pronomes possessivos, uso mais com valor afetivo do que de posse - vale salientar.            Não tenho dúvidas de que alguns alunos, os desumanos e cruéis, deveriam nunca ter cruzado o meu caminho, mas não falo por estes. Falo, aqui, por aqueles que, de um modo ou de outro, foram representativos a ponto de ficarem em minha memória afetiva.            
            Houve um período em que eu me questionei se queria ser professor por toda vida. Hoje, sei que ser professor é o modo mais digno que encontrei de contruibuir com a construção do mundo. Assim, não posso deixar para trás o rosto de alguns alunos e alunas com os quais compartilhei bons momentos desse ofício, por vezes conflitante, que é lecionar.
Lembro-me sobremaneira daqueles mais humanos, capazes de elaborar perguntas, de tratar o caderno com o mínimo de organização para fazer a diferença, de entender a necessidade de estudar para melhorar de vida. Lembro-me, principalmente, daqueles capazes de perceber o quanto a educação é importante para suas formações, e dos que souberam olhar, com gratidão, para os meus esforços. Quero me lembrar dos que são capazes do mínimo de dedicação, e dos que traziam no olhar o desejo de conseguir uma vida mais digna. Será gratificante ver suas fotografias, um dia desses, e saber o quanto eles mudaram e cresceram e amadureceram e foram vitoriosos.
          Às vezes, para conseguir o mínimo de estímulo, foi preciso contar com a cumplicidade e humildade daqueles alunos que me olhavam de modo mais compreensivo. Ao professor importa, como se deve perceber, o aluno que vê a aprendizagem como forma de fugir de um mundo cruel e indigno e injusto. Sentir no olhar a bondade de um aluno que estuda porque vê, através deste ato, um modo de tornar sua existência mais significativa, parece ser o melhor resultado para um trabalho realizado no espaço escolar.
            Uma aluna uma vez me disse o seguinte: “O melhor professor é aquele que não esqueceu do tempo em que foi aluno”. Sinto que ela tem razão. Eu também fui aluno e, por lembrar-me disso como se fosse ontem, é que me torno capaz de entender, e até de me comover, com a situação de alguns deles. Outra vez, uma aluna perguntou o que mais me chateava numa sala de aula. Eu respondi, sem demora, que três pontos, especificamente, doíam em mim: 1- alunos (as) que estudam apenas pela mediocridade da obtenção de notas, 2- alunos que não respeitam professores e professoras e 3- alunos (as) incapazes de admitir seus erros por falta de humildade, consciência crítica e bom senso.
          Conheci alunas e alunos críticos, tristes, carinhosos, criativos, briguentos, brincalhões, tímidos, alegres, patéticos, iluminadores, líderes, apáticos, barulhentos, inteligentes, sábios, medrosos, caricatos, poéticos, insensíveis, humanos e ‘desumanos’, porém os que mais ficaram em minha memória foram aqueles que, ao entrar na escola, sabiam que estar ali era o único modo de mudar, de construir, de fazer a diferença nesse mundo de conflitos, absurdos e angústias. 
            Não posso desprezar àqueles que souberam ser sensíveis à leitura de um texto que foi selecionado por mim. Sinto que rir com os alunos é também um momento transcendental. Uma roda de alunos no pátio da escola, em momentos adequados, é um reduto de vida. Um trabalho apresentado em sala de aula com empenho é um acontecimento feliz. Sentir que uma aula aconteceu sem que os alunos percebessem o tempo passar é uma alegria materializada.
              Eu sou professor porque, desde a sétima série do Ensino Fundamental, decidi que o seria. O profissional da minha área ainda precisa de auxílios e valorização para estar satisfeito, claro, mas ainda permaneço na profissão porque existem alunos e alunas que merecem minha atenção, dedicação e cumplicidade.
            Quando eu era estudante de Ensino Médio costumava ser muito centrado em meus objetivos. Afligia-me o modo como alguns colegas lidavam com a vida estudantil. Ao reencontrá-los, alguns anos depois, eles não são os mesmos: estão vividos, cansados e dizem, com pesar: “Como eu queria que o tempo voltasse! Se eu pudesse fazer tudo de novo, faria diferente!” É tarde para voltar, realmente. Só não é tarde, creio, para tentar novas possibilidades através do estudo – dádiva inesgotável da condição humana!
            Ao conhecer melhor certos alunos e alunas, é impossível não se colocar no lugar deles e sentir o quanto alguns trazem dores, conflitos, medos e indecisões. Logo no início do livro de Provérbios, ao falar sobre a busca intermitente pela sabedoria e seus derivativos, Salomão diz que “os loucos desprezam a sabedoria e o ensino”. É triste cair na loucura de desprezar o conhecimento e suas possibilidades de libertação! Penso que cabe ao professor a função de ensinar não só conteúdos ao aluno. Deve conduzi-lo para uma nova maneira de olhar a vida e suas peculiaridades, porque, sem olhar a vida por ângulos menos mórbidos, não será possível estar no mundo e participar da coletividade que o compõe.
            O ano letivo passa rápido. Quando menos percebemos, o fim do ano chega e cai, pesadamente, sobre nós. Fica só a saudade de uma turma que nunca mais se reunirá com as mesmas pessoas e com os mesmos anseios. Os professores poderão, por diversos motivos, nunca mais participar das nossas vidas de estudantes e seus estresses diários. Fico pensando nesses meus alunos e alunas e pergunto-me sempre: o que será deles daqui a um ano, ou dois, ou três? Queria vê-los felizes, mas Cecília Meireles lamenta num Epigrama: “És tão precária e veloz, felicidade!” Mesmo assim, sabendo o quanto ser feliz é pouco duradouro, peço a Deus para que todos eles, pelo menos de vez em quando, sejam felizes. E, para terminar, transcrevo uma frase da escritora belga de língua francesa chamada Marguerite Yourcenar: “O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos.”

TEXTO: ÉMERSON CARDOSO

8 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado, Cristina!!!! Você faz parte de minha lista dos inesquecíveis, sem dúvidas!!!!

      Excluir
  2. Perfeito Emerson, sinto falta das suas aulas. Você é um grande professor! Abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Felipe!!! Você, que se mostrou mais que um grande aluno, tornou-se um profissional das Letras de grande competência!!! Um abraço!!!

      Excluir
  3. Respostas
    1. Vinicius, você está nos primeiros lugares da lista dos meus grandes alunos!!! Abraço!!!

      Excluir