Do
grego Krónos, que significa “tempo”, a crônica é o registro de
acontecimentos num tempo e num espaço determinados. É produzida por poetas e
ficcionistas que, embora possam apoiar-se em fatos acontecidos, transformam a
realidade do cotidiano pela força criadora da fantasia. Daí decorre que suas crônicas
são ou poemas em prosa ou pequenos contos, dependendo do pendor do autor para o
gênero lírico ou narrativo.
D’ONOFRIO,
Salvatore. Teoria do texto: prolegômenos e teoria da narrativa. 2. ed. São
Paulo: Ática, 2001. p. 123.
ALUNOS E ALUNAS, EU TAMBÉM SOU ESTUDANTE
Ao passar de
frente a minha antiga escola de Ensino Médio, vejo inúmeros alunos e alunas
saindo às pressas após uma manhã inteira de aulas. Alguns sequer refletiram
sobre o fato de que estar numa escola faz com que eles se tornem partícipes do clã dos que tiveram
o privilégio de poder estudar. Neste país em que para algumas crianças e
adolescentes a vida é um tanto trágica, estar numa sala de aula pode ser uma
dádiva, cabe a alguns alunos perceberem isso com maior sensibilidade. Nem sempre acontece assim
– o que é lamentável.
Esta crônica foi escrita para “meus” alunos e “minhas” alunas. Não só
para os que neste ano estão sob meus cuidados, mas para todos os que, ao menos uma vez
na vida, estiveram numa sala de aula sob minha guarda. Quando uso os pronomes
possessivos, uso mais com valor afetivo do que de posse - vale salientar. Não tenho dúvidas de que alguns alunos, os desumanos e cruéis, deveriam
nunca ter cruzado o meu caminho, mas não falo por estes. Falo, aqui, por aqueles que, de um modo ou de outro, foram
representativos a ponto de ficarem em minha memória afetiva.
Houve um período em que eu me questionei se queria ser professor por toda vida. Hoje, sei que ser professor é o modo mais digno que encontrei de contruibuir com a construção do mundo. Assim, não posso
deixar para trás o rosto de alguns alunos e alunas com os quais compartilhei bons
momentos desse ofício, por vezes conflitante, que é lecionar.
Lembro-me sobremaneira daqueles mais humanos, capazes de elaborar perguntas,
de tratar o caderno com o mínimo de organização para fazer a diferença, de
entender a necessidade de estudar para melhorar de vida. Lembro-me,
principalmente, daqueles capazes de perceber o quanto a educação é importante
para suas formações, e dos que souberam olhar, com gratidão, para os meus esforços. Quero me lembrar
dos que são capazes do mínimo de dedicação, e dos que traziam no olhar o desejo
de conseguir uma vida mais digna. Será gratificante ver suas fotografias, um dia desses, e saber o quanto eles mudaram e cresceram e amadureceram e foram
vitoriosos.
Às vezes, para conseguir o mínimo de estímulo, foi preciso contar com a cumplicidade e
humildade daqueles alunos que me olhavam de modo mais compreensivo. Ao professor
importa, como se deve perceber, o aluno que vê a aprendizagem como forma de
fugir de um mundo cruel e indigno e injusto. Sentir no olhar a bondade de um aluno que
estuda porque vê, através deste ato, um modo de tornar sua existência mais significativa, parece ser o melhor resultado para um trabalho realizado no espaço escolar.
Uma aluna uma vez me disse o
seguinte: “O melhor professor é aquele que não esqueceu do tempo em que foi
aluno”. Sinto que ela tem razão. Eu também fui aluno e, por lembrar-me disso
como se fosse ontem, é que me torno capaz de entender, e até de me comover, com
a situação de alguns deles. Outra vez,
uma aluna perguntou o que mais me chateava numa sala de aula. Eu respondi, sem
demora, que três pontos, especificamente, doíam em mim: 1- alunos (as) que estudam
apenas pela mediocridade da obtenção de notas, 2- alunos que não respeitam professores e professoras e 3- alunos (as) incapazes de
admitir seus erros por falta de humildade, consciência crítica e bom senso.
Conheci alunas e alunos críticos,
tristes, carinhosos, criativos, briguentos, brincalhões, tímidos, alegres, patéticos,
iluminadores, líderes, apáticos, barulhentos, inteligentes, sábios, medrosos, caricatos,
poéticos, insensíveis, humanos e ‘desumanos’, porém os que mais ficaram em minha
memória foram aqueles que, ao entrar na escola, sabiam que estar ali era o
único modo de mudar, de construir, de fazer a diferença nesse mundo de
conflitos, absurdos e angústias.
Não posso desprezar àqueles que souberam
ser sensíveis à leitura de um texto que foi selecionado por mim. Sinto que rir
com os alunos é também um momento transcendental. Uma roda de alunos no pátio da escola, em momentos adequados, é um reduto de vida. Um trabalho apresentado em sala de aula com empenho é um acontecimento feliz. Sentir que uma aula aconteceu sem que os alunos percebessem o tempo passar é uma alegria materializada.
Eu sou professor porque, desde a sétima série do Ensino Fundamental, decidi que o seria. O profissional da minha área ainda precisa de auxílios e valorização para estar satisfeito, claro, mas ainda permaneço na profissão porque existem alunos e alunas que merecem minha atenção, dedicação e cumplicidade.
Eu sou professor porque, desde a sétima série do Ensino Fundamental, decidi que o seria. O profissional da minha área ainda precisa de auxílios e valorização para estar satisfeito, claro, mas ainda permaneço na profissão porque existem alunos e alunas que merecem minha atenção, dedicação e cumplicidade.
Quando eu era estudante de Ensino Médio costumava ser muito centrado em meus objetivos. Afligia-me o modo como
alguns colegas lidavam com a vida estudantil. Ao reencontrá-los, alguns anos
depois, eles não são os mesmos: estão vividos, cansados e dizem, com pesar:
“Como eu queria que o tempo voltasse! Se eu pudesse fazer tudo de novo, faria
diferente!” É tarde para voltar, realmente. Só não é tarde, creio, para tentar novas
possibilidades através do estudo – dádiva inesgotável da condição humana!
Ao conhecer melhor certos alunos e
alunas, é impossível não se colocar no lugar deles e sentir o quanto alguns
trazem dores, conflitos, medos e indecisões. Logo no início do livro de
Provérbios, ao falar sobre a busca intermitente pela sabedoria e seus
derivativos, Salomão diz que “os loucos desprezam a sabedoria e o
ensino”. É triste cair na loucura de desprezar o conhecimento e suas
possibilidades de libertação! Penso que cabe ao professor a função de ensinar não só conteúdos ao aluno. Deve conduzi-lo para uma nova maneira de olhar a vida e suas peculiaridades, porque, sem olhar a vida por ângulos menos mórbidos, não será possível estar no
mundo e participar da coletividade que o compõe.
O ano letivo passa rápido. Quando
menos percebemos, o fim do ano chega e cai, pesadamente, sobre nós. Fica só a
saudade de uma turma que nunca mais se reunirá com as mesmas pessoas e com os
mesmos anseios. Os professores poderão, por diversos motivos, nunca mais
participar das nossas vidas de estudantes e seus estresses diários. Fico
pensando nesses meus alunos e alunas e pergunto-me sempre: o que será deles
daqui a um ano, ou dois, ou três? Queria vê-los felizes, mas Cecília Meireles
lamenta num Epigrama: “És tão precária e veloz, felicidade!” Mesmo assim,
sabendo o quanto ser feliz é pouco duradouro, peço a Deus para que todos eles,
pelo menos de vez em quando, sejam felizes. E, para terminar, transcrevo uma
frase da escritora belga de língua francesa chamada Marguerite Yourcenar: “O
verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um
olhar inteligente sobre nós mesmos.”
TEXTO: ÉMERSON CARDOSO
VOU ROUBAR!!!
ResponderExcluirRoube, please!!!
ExcluirMais que perfeito !
ResponderExcluirObrigado, Cristina!!!! Você faz parte de minha lista dos inesquecíveis, sem dúvidas!!!!
ExcluirPerfeito Emerson, sinto falta das suas aulas. Você é um grande professor! Abraço.
ResponderExcluirObrigado, Felipe!!! Você, que se mostrou mais que um grande aluno, tornou-se um profissional das Letras de grande competência!!! Um abraço!!!
ExcluirÓtimo texto ! Sábias Palavras !
ResponderExcluirVinicius, você está nos primeiros lugares da lista dos meus grandes alunos!!! Abraço!!!
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