domingo, 23 de junho de 2013

UMA BREVE LEITURA DE "ANONIMATO", DE EDWARD HOPPER

Automat, 1927. Edward Hopper (1882 - 1967)
Óleo sobre tela, 71.4  cm x  91.4 cm. Des Moines Art Center.

A obra "Anonimato", de Edward Hopper, pintor norte-americano que realizou obras delineadas sobretudo pela recorrente explanação da solidão, apresenta uma personagem feminina sentada num "café" que, perdida em seus pensamentos, parece olhar mais para dentro de si mesma do que para a xícara que tem nas mãos. 
Produzida em 1927, tendo por título original a palavra "Automat", essa obra, considerada uma das mais importantes de Hopper, expõe uma personagem típica do seu universo composicional realista imaginativo.
A personagem traja roupas típicas dos anos 20 – roupas que nos indicam a classe social a que esta pertence –, está sentada, discretamente, tomando algo – provavelmente um café – tendo uma mão protegida com luva e a outra não. Usa um casaco verde com bordas marrons – que nos indica vestimenta usual para épocas do ano em que é comum a baixa temperatura do ambiente – e, por baixo do casaco, um vestido vermelho. A moça usa, também, um chapéu amarelo. Pálida, está sentada diante de uma cadeira vazia e, por trás, é visível a escuridão de uma rua que possui pontos luminosos – provavelmente postes – numa sequência que lembraria uma “alameda” (no caso, uma “alameda” de luzes elétricas bem ao gosto dos tempos modernos que o pintor costumava retratar em seus trabalhos).
A melancolia do cenário reforça o forte apelo psicológico que o autor emprega ao retratar essa moça de olhos baixos, protegida do frio, sozinha num espaço evidentemente de pouca movimentação. Na mesa em que ela está sentada, podemos observar apenas duas cadeiras: a moça ocupa uma e tem a outra à sua frente. Poderíamos supor, na simbologia da cadeira vazia, a ausência de alguém.  
O vazio, a solidão, o mal-estar proporcionado pela ausência de comunicação e o tom obscuro do cenário é quebrado, de certa forma, pelas cores quentes amarelo e vermelho que aparecem em alguns objetos importantes para o cenário. O amarelo surge em alguns detalhes da parede que dá sustentáculo à janela, na sequência de luzes, nos objetos de decoração do “café” e no chapéu da moça. O vermelho é perceptível no vaso que aparece por trás dela, e em seu vestido (que o casaco oculta).
Sem querer extrapolar nossa leitura, claro, poderíamos associar a recorrência de cores quentes como indicativo de certo teor erótico que surge na cena e que pode ser reforçado pela significativa imagem da exibição das pernas da moça – quem a observasse em sua excessiva solidão não poderia desconsiderar a claridade de suas pernas contrastando com a semiobscuridade da mesa e da cadeira em que ela está, introspectivamente, sentada.  
Segundo Otavio Paz*, poeta e ensaísta mexicano, Edward Hopper "é um grande realista” que não “é grande só por seu realismo, e sim por ter sido o pintor de uma visão intensamente moderna do homem e do tempo." Esta personagem sobre a qual nos remetemos é mais uma das muitas mulheres que (assim também como os homens que o pintor cria) surge na obra de Hopper presa a um tempo de vazios e silêncios. Ela cai, inevitavelmente, nas sendas de um realismo, como nos diz Otavio Paz, "mental e reticente" e "inquietante não pelo que diz, mas pelo que cala."
A grande cidade moderna – cafés, escritórios, motéis, postos de gasolina, quartos e janelas – é a paisagem preferida de Hopper. Seu tema, por excelência, na pintura em pauta, como em todas as suas demais pinturas, desenvolve-se pelo isolacionismo de homens e mulheres perdidos em excessiva melancolia e solidão. Octavio Paz o considera, ainda, o "pintor do tempo que passa." E esse tempo é, sem dúvidas, "um tempo vazio."


*PAZ, Octavio. Convergências: ensaios sobre arte e literatura. Trad. Moacir Werneck de Castro. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 230.


TEXTO: ÉMERSON CARDOSO








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