segunda-feira, 3 de junho de 2013

RENASCENTISMO - UM RESUMO (PARTE II): "OS LUSÍADAS"

Luís Vaz de Camões

1 - UM POUCO SOBRE CAMÕES: 

Da vida de Camões pouco se sabe, exceto que foi irregular e cheia de aventuras, bem como de acordo com o temperamento indócil do poeta. Não se sabe ao certo em que data nasceu, pode ter sido 1525, em Coimbra ou Lisboa. Em 1547, Camões embarcou como soldado para a África onde, em combate, perdeu o olho direito. Em 1552, estava de volta a Portugal e, em 1553, foi para as Índias, onde participou de expedições militares. Em 1570, reapareceu em Lisboa, com o manuscrito do poema "Os Lusíadas", que publicou em 1572.

Além da epopeia "Os Lusíadas", em que Camões realiza a narração da heroica viagem de Vasco da Gama às Índias e a eternização de um dos momentos mais gloriosos de Portugal (a época das grandes navegações), ficou conhecido por sua poesia lírica de influência medieval e clássica, de temática variada e abrangente. Dentre os temas que abordou, podemos destacar os seguintes: mistérios da condição humana, a presença do homem no mundo, os conceitos e contradições do amor, efemeridade da vida, dilemas resultantes dos conflitos vinculados à busca de explicações racionais num mundo que ainda evidenciava valores medievais. Camões compôs tanto vilancetes e cantigas (composições realizadas com redondilha maior: medida velha), como sonetos, elegias e odes (composições surgidas no Classicismo e que colocavam em destaque versos decassílabos: nova medida).  


2 - "OS LUSÍADAS" - UM BREVE COMENTÁRIO:


"As armas e os Barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram 
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé [e] o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte."
[...]

 Ao escrever "Os Lusíadas", Camões realizou um dos mais significativos poemas épicos da Literatura Portuguesa. Nesta breve análise, faremos considerações sobre essa obra com o intuito de colocar em pauta elementos que confirmam seu valor artístico e histórico. 

A primeira estrofe, acima apresentada, por exemplo, faz alusão ao teor narrativo fortemente encomiástico que busca apresentar as ações militares empreendidas por destemidos navegantes. Os substantivos "armas" e "Barões" aludem, respectivamente, aos combates realizados durante as viagens e aos corajosos navegantes que se arriscavam em suas austeras caravelas. Ao referir-se à "Ocidental praia Lusitana" a voz lírica se remete diretamente a Portugal e, ao dizer que os navegantes portugueses foram "além da Taprobana", aludem ao país insular asiático atualmente chamado de Sri Lanka. Esses versos já prenunciam a rota de viagem do herói Vasco da Gama.

A segunda estrofe se refere aos dois objetivos que moviam os navegantes portugueses: a expansão do império e a propagação da crença católica. Os valores Clássicos que surgem em toda a obra já nos é apresentado nessa estrofe como podemos perceber, por exemplo, quando a voz lírica se remete à ideia de que cantará os valores do povo português se for auxiliado pelo " engenho" e pela "arte".

Os modelos da Antiguidade Clássica voltam a aparecer quando, na estrofe que apresentaremos logo abaixo, a voz lírica enfatiza o quanto o feito dos heróis Ulisses, da "Odisseia", e Eneas, da "Eneida", bem como o poder de Alexandre (o Grande) e de Trajano, devem ser colocados de lado tendo em vista a grandeza dos navegantes portugueses que, além de terem conquistado novas terras enfrentando o furor invencível dos mares, também conquistaram a obediência dos deuses Netuno - deus romano do mar - e Marte - deus romano da guerra - pelo destemor com que se lançavam nas empreitadas marítimas. 

"Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta."
[...]

Além desse comentário inicial, apresentaremos alguns elementos de caráter formal que precisam ser colocados em destaque. Essa obra apresenta dez cantos e cada canto é composto por estrofes de oito versos (dispostos no esquema ABABABCC) com versos decassílabos, com a sexta e a décima sílabas poéticas tônicas (decassílabo heroico) ou, em alguns casos, a quarta, a oitava e a décima (decassílabo sáfico). O poema possui 1.102 estrofes e 8816 versos ao todo e é dividido em cinco partes: 

  • PROPOSIÇÃO: em que é anunciado o assunto a ser desenvolvido;
  • INVOCAÇÃO: em que é feito um apelo às ninfas do Tejo (as Tágides) para que inspirem o poeta;
  • DEDICATÓRIA: oferecimento do poema a D. Sebastião;
  • NARRAÇÃO: corresponde a maior parte do poema em que são narrados os fatos;
  • EPÍLOGO: o desfecho da ação.

Rota de Vasco da Gama

3 - RESUMO DOS CANTOS DE "OS LUSÍADAS"



CANTO 1 - Indicações do assunto que vai ser abordado (os feitos heroicos dos portugueses e a glorificação da nação). O poeta invoca as musas (ninfas) do Tejo e dedica o poema a D. Sebastião, exortando-o a tornar-se o terror dos mouros da África. Começa a narrativa descrevendo o concílio dos deuses, expondo o discurso de Júpiter, a oposição de Baco e a defesa que Vênus faz dos navegadores, com o apoio de Marte. Narra, em seguida, a entrada da frota no oceano índico, a ancoragem perto de Moçambique, a partida para Quíloa e a chegada a Mombaça, onde Baco continua tramando contra a frota.

CANTO 2 - Narração da emboscada dos mouros e a intervenção de Vênus. A deusa pede a Júpiter que proteja os portugueses. Vasco da Gama vê em sonhos Mercúrio, que o aconselha a deixar Mombaça e partir para Melinde. Em Melinde, o rei hospeda gentilmente os portugueses, pedindo ao capitão que conte a história de Portugal, especialmente os feitos marítimos.

CANTO 3 - Vasco da Gama fala da história de Portugal, contando os principais fatos dos governos de D. Henrique, D. Afonso Henriques, D. Sancho I, D. Sancho II, D, Afonso III, D. Dinis e D. Afonso IV. Também narra o episódio da morte de Inês de Castro, um dos episódios mais líricos da obra. Em seguida leremos duas estrofes que se remetem a esse fato:

"Pera o céu cristalino alevantando,
Com lágrimas, os olhos piedosos
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos)
E de[s]pois nos meninos atentando,
Que de tão queridos tinha e tão mimosos,
Cuja orfandade como mãe temia
Pera o avó cruel assi[m] dizia:

Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar uma donzela,
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha."

CANTO 4 - Vasco da Gama relata os tumultos ocasionados pela morte de D. Fernando. Destaca a figura de D. João I, mestre de Avis. Descreve o assassinato do conde de Andeiro e a intervenção dos reis de Castela. D. João I aconselha-se com os fidalgos, realçando-se a lealdade e o patriotismo de D. Nuno Álvares. Descreve a batalha de Aljubarrota e como D. Nuno foi pelejar no Alentejo e na Andaluzia. Narra o episódio do velho que, na praia do Restelo, critica a cobiça e a sede de conquista dos portugueses.

CANTO 5 - Vasco da Gama narra a partida de sua armada a 08 de julho de 1497. Descreve o avistamento do Cruzeiro do Sul, o fogo de santelmo e uma tromba marítima. Narra o episódio do gigante Adamastor, personificado do cabo das Tormentas. Os tripulantes da armada são acometidos pelo escorbuto. Atingem Moçambique, Mombaça e Melinde.

CANTO 6 - Descrição das festas dadas pelo rei de Melinde aos portugueses. Continuação da viagem para a Índia. Baco procura destruir a frota. Narração do episódio dos Doze de Inglaterra e da tormenta que se abate sobre os navegantes. Vasco da Gama suplica ajuda e Vênus desce em socorro dos lusitanos. A frota aproxima-se de Calicute.

CANTO 7 - O poeta narra a chegada a Calicute e a recepção do rei, que envia um emissário para obter informações dos portugueses.

CANTO 8 - Paulo da Gama conta os feitos dos portugueses. Vasco da Gama é vítima de uma traição, mas consegue livrar-se do perigo.

CANTO 9 - Escapando dos perigos, a armada parte e chega à Ilha dos Amores, local de prazer e descanso que Vênus, auxiliada por Cupido, preparara para os lusitanos, como recompensa de seus padecimentos e trabalhos. Os marinheiros encontram as ninfas. Tétis recebe Vasco da Gama.

CANTO 10 - Banquete oferecido aos navegantes. A ninfa Tétis conduz Vasco da Gama a um monte, de onde lhe mostra um globo transparente que representa a máquina do mundo. Partida da Ilha dos amores. Depois de descrever a chegada dos portugueses, o poeta queixa-se da decadência em que via sua pátria afundar-se e da indiferença pelas letras. Termina exortando o rei D. Sebastião à prática de ações sublimes e benignas.

4 - PARA QUEM QUISER PROCURAR ALGO SOBRE:

CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. São Paulo: Ática, 2004.

SALGADO JÚNIOR, Antônio (org.). Luís de Camões: obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 2008.

TELLES, Gilberto Mendonça. Camões e a poesia brasileira. São Paulo: Quíron, 1976.


CONTEXTUALIZANDO: 

Durante quatro anos, os versos abaixo (que se constituem como uma divertida paródia dos primeiros versos do poema épico "Os Lusíadas"), foram publicados como parte de um anúncio de remédio para tosse. Depois de muita controvérsia sobre quem era o autor, finalmente foi descoberto que os versos eram de Filipe Daudt d'Oliveira (1891-1933). Olhe como é interessante:

BROMILÍADAS

"Os homens de pulmões martirizados
Que, de uma simples tosse renitente, 
Por contínuos acessos torturados
Passaram ainda além da febre ardente;
Em perigos de vida atormentados,
Mais de quanto é capaz um pobre doente,
Entre vários remédios encontraram
O Bromil que eles tanto sublimaram.

E também as memórias gloriosas
Dos Doutores que foram receitando,
Com fé no seu império e milagrosas
Curas foram nos clientes operando;
E os que o Bromil por formas misteriosas
Vive da lei da morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte."




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